Na Cadeira do Dragão
Na manhã de 10 de junho, o general Augusto Heleno, ministro da Segurança Institucional no governo de Jair Bolsonaro, foi interrogado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito que investiga um suposto golpe de estado após as eleições de 2022. Durante as perguntas do juiz Alexandre de Moraes, sentado confortavelmente numa cadeira acolchoada, optou por exercer o direito “ao silêncio”.
Muitos anos antes de se tornar mentor de Bolsonaro, o general Heleno foi ajudante de ordens - ou braço-direito - de Sylvio Frota, ministro do Exército de Ernesto Geisel, o penúltimo presidente do Brasil na ditadura militar.
Geisel defendia abertura política e amenização da repressão do regime. Pelo contrário, Frota representava a chamada “linha dura”. Ao saber que Geisel não o tinha escolhido como sucessor, Frota tentou dar um golpe com a ajuda de outros militares, entre os quais Heleno, então capitão, e Brilhante Ustra, então tenente-coronel.
Ustra foi o comandante do DOI, a PIDE brasileira, e um dos responsáveis por 434 sequestros, assassinatos e desaparecimentos como aquele contado no premiado filme Ainda Estou Aqui.
Segundo relatos na Comissão da Verdade sobre a ditadura, o próprio Ustra torturou uma grávida de sete meses, ao lado dos sobrinhos dela, de quatro e sete anos. Depois, retirou as crianças da sala e informou os pais delas, também detidos, que já tinham chegado “dois caixõezinhos”.
Além de espancamentos, de unhas arrancadas, de afogamentos, do Pau de Arara, uma barra de ferro em torno da qual o prisioneiro era pendurado e enrolado pelas pernas e pelos braços ou do uso da Cadeira do Dragão, um assento de metal com fios elétricos amarrados às orelhas, à língua e aos órgãos genitais dos interrogados, um dos métodos de inquérito mais conhecidos de Ustra era o de enfiar ratos nas vaginas das presas, como, por exemplo, Dilma Rousseff.
Foi por isso que Bolsonaro, cujo livro de cabeceira é, segundo o próprio, as memórias de Ustra, dedicou o voto pelo impeachment ao torturador. “Por Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, o meu voto é sim”.
A 25 de março, dias depois de ter sido acusado pela justiça de golpe de estado por ter contribuído para a redação de uma minuta sobre como tomar o poder por via militar e por ter discutido com generais aliados um plano para envenenar Lula da Silva e Geraldo Alckmin, respetivamente presidente e vice, e matar o juiz Moraes numa explosão, Bolsonaro deu uma entrevista ao Financial Times.
O ex-presidente, que nega que de 1964 a 1985 o Brasil tenha vivido uma ditadura, vem dizendo que, agora sim, o país está sob um regime autoritário. “Temos uma ditadura real e não há como sair desta situação sozinhos, precisamos de apoio internacional”.
Mas se o Brasil vivesse mesmo em ditadura, o general Heleno, mentor de Bolsonaro, braço-direito de Frota e amigo de Ustra, não teria a opção de ficar calado no inquérito do STF. O mais provável era que o espancassem, lhe arrancassem as unhas e o sentassem, em vez de numa cadeira acolchoada, numa Cadeira do Dragão.
Jornalista, correspondente em São Paulo