Não é por Lisboa. É apenas por ti Carlos

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É curioso, Carlos, ver-te a escrever que és o campeão do mérito e da competência. Se tivesses tanta certeza do teu “bom trabalho”, não tinhas excluído quase toda a vereação. Quando alguém substitui praticamente toda a equipa entre ciclos, isso não é sinal de abertura, nem de mérito: é o retrato perfeito da insegurança e o reconhecimento de quem sabe, no seu íntimo, que falhou.

Li com estupefação a ladainha da “bolha partidária”. Que dislate Carlos! Acusas os outros de estarem fechados nos partidos enquanto vais buscar militantes diretamente aos aparelhos daqueles que compõem a tua frente de direita. Isto é infantilizar a memória dos lisboetas. Talvez penses que repetir chavões soprados pelos muitos assessores de comunicação que tens à tua volta é suficiente. Mas não, Carlos, não cola. O tempo em que foste beneficiado pela falta de escrutínio mediático ao teu trabalho já teve melhores dias.

Dizes que nós, no PS, somos radicais. Mas radical é ter escolhido como parceiro de governação a Iniciativa Liberal, que não esconde o desejo de privatizar a recolha de lixo da cidade de Lisboa. Radical é votar contra apoios às cooperativas de habitação, num momento em que todos sabemos que a crise de acesso à habitação é o maior problema da cidade. Radical, Carlos, é votar contra a gratuitidade dos transportes públicos. Isso sim, são escolhas radicais, escolhas da Iniciativa Liberal a que te aliaste por pura matemática eleitoral, e que são sempre contra quem mais precisa.

Quanto às tuas “medidas emblemáticas”, convém pôr os pontos nos i’s. O IMT para jovens que tanto gostas de repetir? Na prática era um desconto simpático para jovens privilegiados, muitos deles nómadas digitais com salários muito acima da média dos lisboetas. Não foi uma recusa ideológica, foi a rejeição de uma medida injusta.

O Conselho de Cidadãos que apresentas como grande inovação europeia? Desculpa, mas é uma invenção. Uma tentativa de desvalorizar o trabalho da Assembleia Municipal de Lisboa, onde não tinhas maioria e onde marcaste presença apenas quando eras obrigado. Não é considerado como exemplo ao nível europeu como dizes. Isso é mais uma frase que te sopraram ao ouvido, quando sabes que é apenas marketing disfarçado de participação.

E o Plano de Saúde de que tanto falas? Se fosse mesmo transformador, os idosos estariam a usá-lo em massa. Pouco mais de 10% dos idosos de Lisboa se inscreveram. A realidade é outra: quem usou uma vez não voltou a usar. A medida serve mais para cartaz eleitoral do que para cuidar das pessoas.

Dizes que foste contra forças de bloqueio. O que houve, Carlos, foi oposição responsável. Quando se tenta aprovar medidas que não servem Lisboa, é natural que não tenham o nosso apoio. Chamas-lhe bloqueio, nós chamamos-lhe democracia. E convenhamos Carlos que apelidar de bloqueio uma oposição que em mais de 300 propostas apenas de vetou…3, diz mais sobre ti do que daqueles que te fizeram oposição.

E depois há essa mania de te apresentares como o homem que abriu Lisboa ao mundo. Quatro anos de mandato e continuas a falar como se fosses um recém-chegado a lutar contra gigantes invisíveis. Lisboa não precisa de slogans, precisa de soluções. Soluções não são centenas de painéis publicitários de autoelogio. É mudar o estado em que Lisboa se encontra ao nível da higiene urbana, do cuidado do espaço público, do trânsito caótico (sim incrivelmente conseguiste que piorasse!) e criar soluções para habitação (e não entregares chaves de obra que o teu antecessor te deixou).

No fundo, este teu discurso não é sobre Lisboa. É sobre ti, Carlos. É sobre o candidato que precisa de repetir até à exaustão que está acima dos partidos, enquanto constrói a sua carreira em cima deles. É sobre o presidente que diz estar centrado nas pessoas, mas governa com base nos interesses de uma coligação em que os parceiros já nem escondem a vontade de vender ao privado aquilo que é público.

Não, Carlos. Não é por Lisboa. É apenas por ti

Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara

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