Mulher, Vida, Liberdade
Topei recentemente com dois maravilhosos artigos de opinião de duas grandes viajantes que me levaram a, mais uma vez, considerar quão diverso em todos os aspetos é o mundo onde vivemos, e onde umas mulheres viajam em liberdade, e outras lutam pela liberdade.
Andrea Bergareche diz: "Vivemos numa sociedade onde viajar é possível para todos" - fundeando essa convicção na simplicidade e acessibilidade de sites na internet e na partilha de informação nas redes sociais, para concluir que a qualquer pessoa, e às mulheres em particular, é fácil viajar para destinos desconhecidos por sua própria conta e, no caso das mulheres, também por seu próprio risco. Acrescenta que nada, a não ser o próprio medo, impede as mulheres de agarrar nas mochilas e embarcar numa aventura sem depender de mais ninguém.
Já a extraordinária fotógrafa Ana Abrão, no ano e um mês em que viajou sozinha pela Ásia, embebedou-se de liberdade e regista na alma e nas fotografias que "pequenas conquistas, que aqui temos como adquiridas, ganham nova dimensão, um novo valor. Tão simples como poder girar uma torneira e recolher água potável ou tão grande como a liberdade de escolha, de expressão ou religiosa".
E interroga-se, no final da viagem: "Que pessoa seria eu se não tivesse questionado o meu próprio conceito de liberdade porque, se antes eu pensava que ser livre é poder ir onde eu quiser e fazer o que eu desejo, à hora que me for mais conveniente, agora penso que é livre aquele que ultrapassa fronteiras, vence barreiras e escolhe ser feliz à sua própria maneira, sem amarras e sem receio de ser julgado pelos outros".
Uma e outra vez. Liberdade. Que levou as iranianas a manifestarem-se, desobedecerem publicamente à imposição da lei do hijabe, sublevarem-se, lutarem há mais de um mês, desde que Masha Amani foi morta às mãos da polícia, pela liberdade de desprender os cabelos, desprender-se de uma vida de opressão a que a República Islâmica do Irão a todos condena, às mulheres e às meninas mais do que a todos.
E nós aqui, no mundo ocidental, depois de tantas e tantas lutas de séculos, conquistámos esta "formidável" liberdade (em Portugal, recorde-se, só a partir de 1969 foi permitido às mulheres viajar sem autorização do marido). Aqui - em teoria, pelo menos - viajar é possível para todos e todas. Os números mostram que realmente as mulheres cada vez mais tomam nas suas mãos o seu destino, que compreende também para onde, quando, como e com quem partir na aventura da viagem. De tal modo que as empresas de viagens dedicadas às consumidoras mulheres nos 3 últimos anos aumentaram 230% ! Algumas razões, de entre muitas e interessantes, que quem tiver curiosidade pode encontrar no site da Condor Ferries: nos últimos 3 anos a busca no google por "female solo travel/ solo women travel" aumentou 62%; 80% das decisões sobre as viagens são tomadas por mulheres; 75% dos que vão em viagens de aventura, cultural ou natural são mulheres; o volume e o perfil de gastos são francamente mais interessantes no mercado das mulheres. E descobriu-se que as viajantes sozinhas superam atualmente os viajantes homens sozinhos: 67% contra 37%.
E elas lá, as nossas irmãs no Irão, a quem o regime não deixa sequer soltar os cabelos, mulheres extraordinárias, dispostas a pagar o preço pela liberdade de tomar o seu destino nas mãos. E nessa luta os homens (sobretudo, claro, os estudantes, os jovens, os impulsionadores das revoluções) juntam-se porque essa é também a sua luta, unindo-se no grito curdo "Mulher, Vida, Liberdade".
Enquanto houver mulheres no mundo que não podem viajar sozinhas por razões que não são de sua livre vontade, não podemos dizer que viajar é para todos.
VP executiva da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal