É uma fotografia terrível. Daquelas que dispensam as palavras e funcionam como metáfora. A derradeira de um homem abandonado, com 40 mil shekels no bolso, coberto de pó entre as ruínas de Rafah. As IDF comunicaram a sua morte numa frase lacónica publicada no X. “Eliminado: Yahya Sinwar”. Israel explodiu de alegria, nalguns redutos de Gaza há quem tenha pronunciado Salaam (paz). Certas vidas são um ensaio sobre o mal, a de Sinwar é uma monografia. Citando-o: “os (500 quilómetros) de túneis de Gaza, são para os combatentes e para as suas armas, não são para proteger crianças e mulheres palestinianas”. Não foram forças especiais que eliminaram o inimigo número um de Israel, foram reservistas de 19 anos. Adolescentes como os que apenas queriam dançar no Festival Nova a 7 de Outubro..Ao contrário de algum fatalismo que sobrevoa as análises políticas e jornalísticas sobre o Médio Oriente acredito que, parafraseando Avi Dichter, antigo chefe do Shin Bet, “o terrorismo é um poço com fundo. “Não temos que chegar ao último terrorista para o neutralizar. Basta atingir uma massa crítica e paralisamo-lo efetivamente”. A Maf’at - responsável pelo desenvolvimento de armas e infraestrutura tecnológica - criou mesmo um modelo matemático para calcular o nível de redundância do Hamas que sugere que eliminar 25 por cento da organização conduz ao seu colapso. Crê-se, de acordo com as IDF, que a ala militar do Hamas, as brigadas de Izz al-Din al-Qassem, tenha sido reduzida a mais de metade..Além da vitória política e tática, e do feito militar, a eliminação do cérebro do ataque terrorista mais mortífero da história do país pode conduzir a que a devastadora guerra em Gaza esteja mais perto do fim, se Israel e os seus aliados - há uma intersecção de interesses que não é pequena entre estados árabes e Israel, sobretudo quando esses estados pensam no Irão com uma arma nuclear - souberem e quiserem aproveitar a oportunidade..Olhemos para a linha de sucessão do Hamas. É esperado que seja nomeado um substituto rapidamente, mas nenhum candidato será tão eficaz como Sinwar e nem todos se comprometerão taticamente com o seu percurso, estão tão inclinados para o martírio ou a ser, por definição, descartáveis..Ao nível político, a liderança do Hamas em Gaza não parece incluir uma figura capaz de suceder a Sinwar. O próximo líder poderá surgir da liderança do movimento em Doha, onde os dois principais aspirantes - Khalil al-Hayya e Khaled Mashal - têm pontos de vista diferentes sobre a questão do cessar-fogo e as alianças regionais do Hamas, em particular com o Irão. Nunca se deve perder do olhar o mestre marionetista: o massacre de 7 de outubro é parte da estratégia de Teerão para destruir o Estado de Israel e tentar alcançar a hegemonia regional..Khalil al-Hayya, o número dois do Hamas, caso seja escolhido poderá continuar o caminho de Sinwar tanto na frente de guerra de Gaza como na proximidade com o Irão. Khaled Mashal há muito que tenta afastar o Hamas do eixo iraniano e aproximá-lo das origens do movimento na Irmandade Muçulmana. É provável que esteja mais interessado em chegar a um cessar-fogo e, assim, capitalizar diplomaticamente ao posicionar o Hamas como o interlocutor palestiniano indispensável. No entanto, nenhum destes líderes tem o peso ou as relações necessárias para exercer efetivamente autoridade sobre a ala militar em Gaza. A curto prazo, a morte de Sinwar criará caos adicional no terreno, com possíveis implicações para os reféns. A restante liderança do poderá sentir-se tentada a mostrar que não se deixa intimidar, lançando rockets contra Israel e redobrando os seus esforços para desestabilizar a Cisjordânia..Os efeitos do assassinato de Sinwar na opinião pública de Gaza também devem ser considerados. Os elevados custos da guerra provocaram o que parece ser uma raiva crescente contra o Hamas, sendo o medo do grupo igualmente persistente. É provável que alguns habitantes de Gaza exprimam mais abertamente a sua discordância..Sinwar era visto como o principal obstáculo do Hamas a um acordo de cessar-fogo, e a sua ausência pode reabrir as perspetivas de um acordo. O primeiro-ministro israelita, já ofereceu aos sequestradores a opção de se entregarem vivos. Joe Biden também referiu a possibilidade de um avanço. Para que tal aconteça, estas ideias têm de ser traduzidas em política operacional muito em breve: um plano para o “dia seguinte” que crie condições para acabar com a guerra e reconstruir Gaza. Importa que neste plano se inclua um papel - mesmo que simbólico - para a Autoridade Palestiniana e uma via política futura para pôr fim ao conflito israelo-palestiniano. Só deste modo se garantirá o envolvimento atores regionais na Gaza do pós-guerra..Em termos mais gerais, se a nova dinâmica criada pelo assassinato de Sinwar puder ser aproveitada para um cessar-fogo, isso poderá ter implicações para o fim da guerra no Líbano. Essa mudança privaria o Irão de dois dos seus mais valiosos ativos regionais e, ao fazê-lo, diminuiria a sua influência perniciosa na região.