Monopólios fatais: da E-Redes à Via Verde
1 Uma das questões mais difíceis de resolver quanto à eletrificação do parque automóvel passa por uma entidade mastodôntica e contra a qual quase nada se pode fazer: a E-Redes. A antiga REN - Rede Elétrica Nacional, monopolista, está a léguas dos problemas dos consumidores quanto à transição energética.
Caso prático: é quase impossível conseguir carregar-se um carro 100% elétrico numa garagem coletiva de um prédio. Desde logo, é muito difícil levar-se um cabo grosso de eletricidade dedicado à wallbox, andares acima, furando paredes, de forma a ligar o veículo ao contador individual do proprietário da fração. Depois, é caro e necessita de autorizações do condomínio. Demora meses.
A alternativa - um contador próprio, junto à caixa de energia da garagem do prédio - esbarra com o problema central: a potência dos prédios não foi preparada para acréscimos de consumo energético de garagens com vários carros elétricos. Ora, quanto custa aumentar a potência? Na esmagadora maioria dos casos, o problema é que não há essa hipótese sem se construir uma nova baixada de energia (um ramal). E é aqui que entra a E-Redes. Os preços são ao nível do delírio. Um novo ramal para um prédio pode custar sempre acima de cinco mil euros - depende da distância... se a zona está preparada para mais potência... etc., etc. ... E como não há concorrência, é tudo difícil/impossível. Assim termina a ideia do carro elétrico para um habitante de uma grande cidade.
Portanto, só uma revolução legal, vinda do Ministério do Ambiente, pode infraestruturar obrigatoriamente o parque habitacional antigo, obrigando a E-Redes a fazê-lo quando solicitado, padronizando o custo e possibilitando uma amortização ao longo de vários anos. De outra forma, não há condomínios capazes de pagar ramais para carregadores nas garagens de uso coletivo.
Sem isso, quem vive em prédios só tem como opção os carregamentos públicos. O que diminui a possibilidade de se carregar durante a noite, o que é melhor ambientalmente e mais barato. Entretanto, o custo de carregar fora de casa tem preços mais elevados pelas margens praticadas nos postos públicos. E pior: só no final do mês aparece a conta, dividida por tantas rubricas que as faturas são quase ininteligíveis. E mais: nem os postos, nem as app, dizem quanto vão debitar no cartão quando se acaba um carregamento. Resta acreditar na boa-fé das elétricas. Não pode ser mais opaco.
2 Já em viagem, o carregamento de veículos elétricos está bastante melhor nas autoestradas, mas mesmo assim muito deficiente. A exceção é a A1 e a A2, e a boa notícia da semana é que a Cepsa, na A1 (Leiria), aumentou de dois para seis o número de carregadores Ionity ultrarrápidos (até 220 kw/ hora). Seria fantástico, não fora o facto de ser tão-tão-tão caro que o preço da "eletricidade + serviço de carregamento" quase se aproxima do do combustível. Ou seja, é uma opção de último recurso.
Excluindo a Cepsa-Ionity, sobra apenas o melhor carregador EDP ultrarrápido (160 kw/h) em cada sentido da A1 - em Santarém. Porque é mais barato que os Ionity, começa a estar cada vez mais ocupado. Ou seja, carregar, pode demorar, e muito. É uma lotaria. E esta é a mesma péssima notícia de sempre - e a que afasta novos consumidores. Desta vez, não porque não haja já boa tecnologia, mas porque as áreas de serviço movem-se à velocidade paquiderme que o governo consente.
3 E por falar em monopólios, outro caso - a Via Verde. O Portal da Queixa trouxe à superfície esta possível burla: muitos veículos dispõem de Vias Verdes antigas. Nesses dispositivos era necessário mudar a pilha, quando a luz amarela acendia à passagem das portagens. O que está a fazer a Via Verde? Obriga a que se deite fora o antigo e se adira a um novo, obrigando com isso a um custo anual obrigatório de uso dos identificadores. Um absurdo de desperdício e um esquema para se obter mais receita. Só que... há mais. E pior. A Via Verde passou a enviar e-mails aos utilizadores para mudarem os dispositivos mais antigos... mesmo quando estes não registam qualquer problema.
O DN denunciou o caso, mas a Via Verde desmentiu com o burocratês do costume. No entanto, escrevo isto porque me sucedeu o mesmo. Recebi o e-mail de problema no identificador, apesar de o veículo não acender a luz amarela nas portagens. De boa-fé, acreditei que havia um problema, mesmo não sabendo qual, e pedi um novo identificador. Entretanto descubro pela notícia de que houve um aumento de 50% nas queixas, em novembro, de pessoas atingidas pela mesma prática agressiva da Via Verde.
Talvez alguém na empresa tenha tido a ideia genial de acelerar as vendas. Comigo funcionou. Não sei se fui enganado, mas gostava de saber. A Via Verde cobra de 5,75 euros até 11,50 por cada novo dispositivo, e este valor passa a ser repetido todos os anos - a tal taxa anual pelo uso. E assim, cá temos mais um custo novo, imposto por uma empresa sem concorrência. O que mostra como Portugal não muda - e os governos não têm força para questionar estes lobbies. Fico, entretanto, com a dúvida: alguém vai mesmo averiguar o que está a acontecer? É matéria para o Ministério Público?
Jornalista