Monetizar a burocracia
Há vários aspetos estranhos no Protocolo para as Migrações que o Governo está a negociar com as estruturas patronais. Desde logo - e como adiantamos esta terça-feira, 24 de dezembro, no DN -, a ideia do Governo de exigir às empresas que paguem a habitação e a formação dos migrantes que pretendem contratar, como condição para que o Estado emita, em 30 dias, um visto de trabalho para quem tenha tudo em ordem.
Como assim? Afinal o Estado tem ou não, desde sempre, a obrigação de ser rigoroso, mas também relativamente rápido, a analisar processos de migrantes? Mesmo que isso implique verificar os registos criminais e a oferta de trabalho que têm em mãos? Se sim, por que razão está agora a mercadejar com as empresas um “visto em 30 dias”? Isto para não dizer que é ao Estado - central e local - que compete encontrar soluções para resolver os desequilíbrios do mercado, como a falta de habitação.
As empresas até podem estar dispostas a fazer um esforço extra para captar mão-de-obra ou talento vindo do exterior, mas o que esta medida faz é obrigá-las a esse esforço apenas para terem algo a que já têm direito: menos burocracia.
O Estado ganha em três frentes: tem quem lhes resolva parte da habitação, canaliza os recursos para quem aceita isto e ainda lava as mãos da responsabilidade quanto à morosidade.
Experimentem tentar explicar esta medida a um empresário alemão ou holandês que queira contratar em Portugal. Terão uma montanha pela frente. E para nada, porque, provavelmente, no final não haverá capacidade do Estado para - “sem escancarar as portas” - emitir vistos em 30 dias para trabalhadores.
Medidas perturbadoras geram contrapropostas ainda mais absurdas. Confrontadas com a “obrigatoriedade” deste investimento em habitação e formação - em troca de menos burocracia -, as empresas exigem também algo. Querem que o Estado crie e aplique um mecanismo para obrigar os imigrantes que contratam, que albergam e que formam a ficar um determinado número de meses ou anos no país. Portanto, uma espécie de fidelização à empresa que os trouxe para Portugal, algo que remete, remotamente, para os contratos das operadoras de televisão.
Não vou esmiuçar as questões legais envolvidas, como a limitação à liberdade de circulação de pessoas; as regras do Código do Trabalho em Portugal e as regras do Espaço Schengen. Vou apenas dizer que os patrões portugueses sabem tão bem que esta ideia enfrenta “muitos desafios”, para usar um eufemismo, que ainda mesmo antes de a apresentarem já estão dispostos a trocá-la por um reembolso estatal pelos custos incorridos na formação e habitação de um migrante, caso este venha a trocá-los por quem, lá fora, paga salários melhores.
O Estado quer monetizar a sua burocracia, as empresas querem que os contribuintes as compensem pelo regular funcionamento do mercado laboral. Uma sugestão: respirem todos bem fundo e, com o plano à frente, encontrem novos caminhos.
2. Não poderia terminar este Editorial sem desejar aos nossos leitores - e a todos que já o foram e podem voltar a sê-lo - um Feliz Natal. Que a quadra desperte o melhor que há em todos.
Diretor-adjunto do Diário de Notícias