Misericórdia fiscal para 50 euros de teletrabalho
Reza a lenda que as folgas orçamentais de hoje (1600 milhões no fim de 2022) são os défices de amanhã, e, portanto, percebe-se que no Ministério das Finanças só haja um menu: cautelas e caldos de galinha. Ainda assim, há pequenas coisas que ajudariam a tornar mais digna a posição fiscal do governo perante os trabalhadores. É o caso da novela sobre qual o valor a atribuir ao subsídio do teletrabalho, um caso simbólico sobre o modus operandi do Ministério das Finanças.
Em concreto, as entidades patronais e alguns partidos (Bloco de Esquerda à cabeça) pedem uma coisa simples ao governo: se abriu a porta a pequenas compensações aos trabalhadores por despesas de teletrabalho, então que diga qual o teto e a isenção fiscal.
Na verdade, podemos obviamente questionar se há um custo extra no teletrabalho. A energia extra é certamente compensada pela poupança na deslocação. A Internet sem limite de dados faz parte dos pacotes comuns - seria diferente sem o teletrabalho? A manutenção do subsídio de refeição também é um bónus parcial para quem está em casa. Parece evidente, então, que o teletrabalho tem saldo nulo (ou até de ganho) para o bolso dos trabalhadores. Mas o ponto importante é outro: eventualmente, as empresas também ganham ao pouparem em custos imobiliários e de manutenção - já ou a prazo. E é neste ponto que pode assentar a fundamentação deste subsídio: o trabalhador é compensado pelo facto de estar noutro local (que a empresa não paga). Repartem-se as vantagens.
Ora, o panorama de 2022 mostra o que é a deliberada inação do Ministério das Finanças. Passou-se mais de um ano sem se conseguir definir nos recibos dos trabalhadores qual o valor a isentar pelo fisco. E assim chegamos a janeiro de 2023, com salários a processar este fim do mês e, diz o Dinheiro Vivo, só no dia 1 de fevereiro volta a haver debate sobre o tema no Parlamento. A isto se junta o atraso das Finanças quanto à retificação das tabelas de IRS (tornadas públicas apenas a 25 de janeiro), já impossíveis de aplicar em muitas empresas no fim deste mês - e nos funcionários públicos. Uma trapalhada.
Concluindo: a decisão sobre o subsídio de teletrabalho é radicalmente simples e depende apenas de qual a migalha que o governo quer dar. Tomemos como referência o subsídio de refeição diário isento de impostos: 5,20 euros em dinheiro, ou 8,32 euros em cartão. Qual o valor certo para teletrabalho?
A decisão refletirá o tamanho da misericórdia de Fernando Medina. Admita-se um máximo de 50 euros/mês não sujeitos a IRS e Segurança Social - o valor de que se fala há quase um ano. É muito? Daria uma média de 2 euros por dia útil. Na prática, seria um valor de 550 euros (arredondando), pago ao longo de 11 meses.
Atendendo aos baixos salários que todos reconhecemos, estaríamos perante uma medida socialista. Estes 50 euros seriam iguais tanto para o topo da hierarquia como para os postos de base. Quiçá, ajudariam também nalgumas negociações com a Função Pública. O mesmo na esfera privada: um subsídio passível de ser inserido nas empresas que o quisessem de imediato, abrindo esta hipótese a todas as profissões. E a economia do futuro é cada vez mais ubíqua - desde a agricultura à indústria. Portanto, não teria de ser restrita apenas ao setor terciário. Em resumo: um bónus transversal, para quem o quisesse adotar.
Seria uma solução pequenina, mas eficaz, na tal subida do salário médio nacional de que o governo fala tantas vezes. Desta vez com a conta também a ser repartida pelo lado das Finanças. Vamos dar palco a isto?
Jornalista