Mexer para ficar tudo na mesma

"Temos noção de que não temos uma varinha mágica, que não podemos resolver o problema, que é um problema estrutural. Muitas destas medidas se calhar não vão ter o impacto que desejamos", Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, na apresentação do plano de ação para a comunicação social
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Boas notícias: o governo apresentou esta semana o seu plano de ação para a comunicação social. São 30 medidas assentes em três eixos: regulação do setor; serviço público; e incentivos ao setor. Foram anunciados vários estudos e a necessidade de monitorização das medidas, pelo que o futuro pode trazer mais novidades. Para já, a grande novidade é a retirada da publicidade da RTP e os apoios à contratação de jornalistas. No essencial, este programa vem dar algum alívio às contas das empresas do setor, mas sobretudo, talvez mais importante, é que o governo está atento aos graves problemas económicos e financeiros. Na apresentação do plano, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, deixou uma frase que vale a pena guardar: “acreditamos que Media é democracia e nós gostamos muito da nossa democracia”. 

As más notícias é que este plano não deverá resolver qualquer problema de fundo. O próprio ministro admitiu isso mesmo: “muitas destas medidas não deverão ter o impacto que desejamos”, pelo que “dentro de um ano haverá uma avaliação exaustiva”.

A folga de mercado que vai ser criada pela retirada gradual da publicidade da RTP nos próximos três anos, muito provavelmente será absorvida pela criação de novos canais. Entra por um lado, sai por outro. É que em todas as áreas da comunicação social, a crise económica e financeira grave não tem dado lugar ao desaparecimento de títulos, muito pelo contrário, têm aparecido muitas marcas novas na imprensa, na rádio e sobretudo na televisão. O mercado não tem sabido autorregular-se, pelo que seria de esperar uma intervenção dos reguladores e do poder político. Provavelmente vamos pagar a expansão de novos canais de televisão privados (indiretamente) com dinheiro dos contribuintes. A medida terá sempre algum impacto positivo nas contas das empresas, mas nunca será uma mudança de paradigma.

Por outro lado, sem publicidade, a RTP vai ficar mais refém dos apoios do Estado. Ou seja: do governo. A empresa pública tem vindo a fazer um bom trabalho de desgovernamentalização da informação – uma prática de muitas décadas – mas nada nos garante que no futuro isso não possa voltar a acontecer. Aposto que se um dia o Chega ganhar espaço no governo, vai querer a pasta da comunicação social para o seu partido. 

Modernizar a racionalizar é sempre louvável, mas a RTP não sai mais forte deste processo. Só que os privados também não. Vão beneficiar de um penso rápido para as suas dores, mas não são estimulados a gerir com uma atitude mais madura. O que resulta daqui é o alimentar de um defeito enorme da sociedade portuguesa: os empresários estão sempre a criticar o Estado – o que é fácil e demasiadas vezes justo - mas perante uma crise, viram-se para o Estado para que os contribuintes resolvam os seus problemas. Esta crise nos Media é uma crónica anunciada com mais de 25 anos. Todos sabíamos que iria acontecer. Mas, apesar de todos os sinais, a generalidade dos meios manteve o mesmo modelo de negócio. Sobretudo na imprensa, as receitas evaporaram, e a generalidade das respostas foi cortar nas despesas. 

A gestão em tempos de crise deve ser dominada pela inovação, pela nossa capacidade de encontrar boas novas respostas, para os novos problemas. Como acontece demasiado em Portugal, em vez de pensarem o futuro, os nossos gestores ficam fechados nos gabinetes a apertar o excel, a desvalorizar o produto, à espera de um milagre. Obter lucros no negócio da comunicação social não é fácil. É mesmo impossível para todos. Mas é possível para alguns que consigam criar novos mercados e novas receitas.

Este pacote é sobretudo uma boa notícia para o governo: já pode dizer que apoiou a comunicação social; e faz grandes amigos junto dos canais de televisão – que são os grandes influenciadores políticos. A abolição da publicidade na RTP era a reivindicação dos empresários do setor, em particular a SIC, o que dá muito jeito em tempos de grande instabilidade política. Ainda por cima é injusto, porque a televisão foi o setor dos media que melhor sobreviveu à revolução digital. Mas é onde o governo põe o dinheiro.

Nem os problemas se resolvem, nem os maus hábitos se educam. É o que se chama mexer, para ficar tudo na mesma. Mais acertado seria, por exemplo, pagar à imprensa para oferecerem jornais impressos em todas as escolas portuguesas.

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