Metade do Céu

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Em meados dos anos 90, estando em Macau como responsável do Instituto Português do Oriente (IPOR), promotor da língua e da cultura portuguesas numa rede que se estendia da Índia ao Japão, recebi o reitor de uma Universidade nipónica, com uma comitiva em que havia apenas uma mulher. Visto que era ela que sempre se dirigia a mim, considerei que a sua função seria de tradutora, mas fui surpreendida pelo comentário do reitor (depois de termos estabelecido os termos da cooperação). Na verdade, mostrava-se surpreendido porque, em Macau, a Presidente da Assembleia Legislativa era uma mulher, a Diretora dos Serviços de Educação era uma mulher e, por fim, ali vinha encontrar mais uma mulher num cargo de direção. Mandou também explicar que não estava habituado a falar com mulheres, porque no seu país não acontecia as mulheres chegarem a lugares cimeiros (passaram 30 anos e o Japão decerto mudou!) e, por isso, havia trazido uma mulher (por acaso, a sua vice-reitora) para poder falar com outras mulheres. Foi talvez um dos momentos (outros houve) em que mais senti a discriminação por ser mulher. Na verdade, o meu interlocutor nunca me olhou e mostrava-se deveras constrangido e incomodado com a situação. Não estava habituado e não gostava de ter uma mulher colocada ao seu nível. Na altura, pus fim ao encontro pedindo que lhe transmitissem que estávamos na China onde as mulheres representam metade do Céu, como havia declarado Mao Zedong, o que se tornou uma palavra de ordem logo após a vitória da Revolução, reconhecendo o novo papel da mulher na sociedade (depois de milénios em que nem tinham direito a um nome).

Em 1995, a China acolheu a Conferência Mundial sobre a Mulher, a primeira das Nações Unidas realizada naquele país e se tornou um marco importante para os direitos das mulheres, tendo sido estabelecidas 12 áreas de atenção, entre as quais, a violência contra a mulher. Aliás, é na sequência desta Conferência que a violência doméstica passa a ser razão admitida para o divórcio na China.

Os direitos das mulheres e a sua igualdade é um caminho longo com poucos avanços e outros recuos em muitas regiões do mundo. Em 25 de novembro, comemorou-se o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres, homenagem às irmãs Mirabal, presas, torturadas e assassinadas nesse dia de 1960, por serem opositoras políticas na República Dominicana. 

Como salienta o comunicado conjunto das organizações ibero-americanas, importa acabar com a violência contra as mulheres, em todos os âmbitos (e a exclusão de lugares de liderança é também uma violência), importa implementar políticas educativas a favor de uma cultura de respeito e igualdade entre homens e mulheres. A educação será um espaço fundamental para trabalhar e alcançar esse objetivo. Todos ganharemos. 

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