Messianismo e rejeição das ideologias: o futuro para a próxima década?
O PS, entre 2022 e 2025, em apenas três anos, passou de uma maioria absoluta a um resultado idêntico ao do Chega, caindo de 120 para 58 ou 59 deputados.
A que se deveu este resultado?
Por um lado, necessariamente a uma mudança de liderança, para uma liderança que se revelou demasiado assente no aparelho do partido e sem capacidade de ir para fora das paredes das concelhias, de mobilizar pessoas com carreira para a ação política e, manifestamente, de convencer sobre o seu valor como alternativa.
Deveu-se também ao cansaço pela sucessão de eleições e de governos num período tão curto e, especialmente, ao cansaço perante um mesmo partido que assumiu tão longos períodos de governação desde 1995. O eleitor acredita – e tem razão – que a rotatividade e a mudança são valores em si.
Estes últimos anos viram também um aumento muito significativo do custo de vida, da energia, da habitação, do custo dos alimentos, mantendo-se salários limitados, um acesso condicionado à saúde pública em especial nos grandes centros urbanos, a falta de professores nos liceus da capital, tudo isto esmagando a classe média. O melhor indicador sobre o que pensam os portugueses sobre o SNS, por exemplo, está no número brutal e crescente de pessoas que sentem a necessidade de ter um seguro de saúde.
O PS manteve-se agora seguramente sem conseguir captar o interesse e o voto daqueles com menos de 34 anos, o que já vinha de trás. Há uma geração que basicamente não vota PS: a daqueles que praticamente só conheceram governos PS. Uma geração em que a marca ideológica é francamente mais diluída e em que qualquer ímpeto de solidariedade coletiva foi condicionado pelas promessas individuais de alegrias eternas do mercado e dos seus méritos, mesmo que delas não usufruam. Pessoas, portanto, agora muito mais disponíveis para partidos com uma natureza pragmática catch all, como o PSD, ou para um discurso simples, construído numa distinção de videogame entre vítimas e alvos, o discurso populista e ficcional sobre imigração, minorias, segurança e corrupção do Chega, associado ao bordão apelativo e pedinchão do “Dêem-me uma oportunidade!” e ao messianismo beato construído em torno do seu líder. Um partido que nada diz sobre educação, saúde, justiça, segurança social, defesa, habitação ou impostos, esses detalhes.
E, finalmente, existe todo um novo contexto europeu e internacional de guerra dentro da Europa, de rearmamento, de dúvidas nas relações entre Europa e Estados Unidos e de favorecimento e normalização de lideranças de cariz presidencialista, nacionalista e tendentes ao autoritarismo e ao isolacionismo.
Que pode o PS fazer agora? Bem, pragmaticamente, o melhor para o País seria provavelmente o pior para o PS: um acordo de programa essencial com o PSD, garantindo uma legislatura. O risco, naturalmente, é o de deixar a oposição exclusivamente ao Chega e ao Livre. Mas os partidos não são necessariamente eternos, o PS francês que o diga. E ao PS, provavelmente, não bastará mudar de liderança e precisará de fazer as mudanças que, ironicamente, o seu sucesso eleitoral das últimas duas décadas não permitiu.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa