Meritocracia política por onde andas?
Assistimos hoje, no quadro político nacional, ao triunfo da nulidade, ao prosperar da desonra, ao crescimento da injustiça, à propagação da mentira e ao engrandecimento do sórdido, do censurável, do condenável e do vergonhoso.
Que mal fizemos nós? Enfrentámos estoicamente a pandemia, reagimos solidariamente ao perigoso conflito bélico que emergiu em solo europeu e chegámos, entretanto, a um ponto em que quem manda parece rir da honra, da honestidade e da virtude.
Enfim, testemunhamos, penosamente, o declínio da democracia, tendência essa que acelerou aquando da pandemia (que justificou, globalmente, bom e mau no campo das medidas legislativas) e nos deixou nas mãos de uma elite egoísta e irresponsável, que favorece o nepotismo e o favoritismo, que desvaloriza o mérito e que normaliza a depravação política (que me perdoem aqueles a quem a proverbial carapuça não serve).
Uma vez que as falhas que presenciamos nesta democracia em falência advêm, claramente, da ausência de meritocracia política (a qual tem como elemento fundador o mérito, enquanto aptidão e valor moral e intelectual, residindo o seu cerne na distribuição ou repartição de postos, lugares e oportunidades políticas em função do mérito) a solução é evidente.
Em primeiro lugar, há que instituir o reconhecimento e a valorização da competência ética e da erudição no plano institucional através de certas alterações legislativas que não comportem desvios.
A política portuguesa deve adoptar a meritocracia como código de conduta, que a guie, que a oriente e que não permita passos em falso, o que passa, entre outras coisas, pela exigência de qualificações mínimas (no âmbito dos valores e do saber) para a ocupação de lugares partidários de peso e para o exercício de cargos públicos.
Era assim na China antiga. No âmbito de uma visão confuciana, quem queria ocupar cargos institucionais tinha de passar por um concurso público, competitivo, complexo e justo, que almejava à ascensão de candidatos éticos, incorruptíveis e dotados de conhecimento, que formulassem, em função dos rudimentos que os regiam, políticas para a promoção do bem-estar da população.
Nessa senda, precisamos, em Portugal, com urgência, de substituir o patrocínio, o patronato e o favor pelo mérito. Só um sistema construído em torno dessa noção pode erradicar a corrupção e as ineficiências económicas e políticas que a acompanham.
Atravessamos um período crucial em que é primordial que a pessoa certa ocupe o lugar certo, gerando resultados para a nação e não retornos a título individual.
Nesse sentido, cabe aos partidos, ao poder central e ao poder local seleccionarem candidatos não necessariamente próximos e queridos e sim meritórios.
E quem o fizer, note-se bem, revela inquestionável amor à Pátria, assim como inteligência. Como bem dizia Nicolau Maquiavel "o primeiro método para estimar a inteligência de um governante é olhar para os homens que tem à sua volta".
Em segundo lugar, também o povo tem um papel a desempenhar nesta encruzilhada em que se encontra o país. Os eleitores devem favorecer, quando exercem o seu arduamente conquistado direito ao voto (universal, secreto e directo), o mérito e não o carisma, o feitiço ou o encanto ("a corrupção política é em parte uma consequência das escolhas do povo" avisa Laércio Monteiro).
Os próximos resultados eleitorais devem privilegiar o valor moral e intelectual dos candidatos e assim garantir o futuro da nação.
Vivemos uma época politicamente conturbada, marcada no respeitante às elites governantes, pelo caos, pelo desregramento moral, pela cobiça, pela ambição desmedida e pelo império da desonestidade.
Urge levantar os que sabem e são rectos, independentemente de amiguismos, em nome da nação, pela nação e para a nação (Abraham Lincoln).
Nota: A autora não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico.
Fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e Associate de CIPIL, University of Cambridge.