Menstruação, essa arma secular de humilhação
O tema causa repulsa, aversão e até algum asco em certas sensibilidades. Dos mais jovens aos mais velhos, é quase automático o esgar de desconforto, ou o abanar da cabeça em sinal de desvalorização e de menorização, quando se menciona o tema que nos foi imposto como proibido: a menstruação. Creio que não haja nenhuma mulher que esteja a ler este texto que não saiba o que é sentir-se constrangida quando estava menstruada durante dias de escola: ao pedir autorização ao/à professor/a para ir à casa de banho, para fazer a higiene necessária, escondia o penso ou o tampão como um criminoso esconde um artigo ilegal ou proibido, com um semelhante medo de ser descoberta. O tema era falado às escondidas, em segredo, como se algo que é de todas fosse vergonha de cada uma. O período é um processo fisiológico, natural, que faz parte do ciclo reprodutivo da mulher. É sinal de um funcionamento expectável, mas é usado para a vergonha e para a humilhação. Não sendo uma escolha, é também uma despesa - e é por isso que merece ser discutido.
Todos os dias, há 800 milhões de meninas e mulheres entre os 15 e os 49 anos a menstruar, diz-nos o UNFPA. Num mundo ideal, todas elas fariam a sua vida normal, com um acesso total a produtos de higiene menstrual, como pensos higiénicos, tampões, cuecas ou copos menstruais. Mas neste mundo da desigualdade de género, as coisas processam-se de forma diferente: há “pobreza menstrual”, que corresponde à falta de condições, geralmente financeiras, para realizar uma higiene menstrual adequada - ou seja, à falta de recursos financeiros para custear estes produtos todos os meses, durante dezenas de anos.
Os números provam-no: um estudo divulgado em fevereiro deste ano revela que, em Portugal, duas em cada 10 raparigas já faltaram ou conhecem alguém que já tenha faltado às aulas por não ter possibilidade de adquirir produtos de higiene menstrual. A maioria recorreu a um segundo par de cuecas ou a algodão para fazer face àquela situação.
Desconfortável, no mínimo - e nem é preciso ser mulher para o imaginar. Mais: 18,2% dos professores contou que já teve pais e mães que admitiram que não podiam comprar esses mesmos produtos.
Mas o problema é global, com especialistas a garantir que, na UE, uma em cada dez raparigas sofre de pobreza menstrual (numa resolução de 2019, o Parlamento Europeu indicou que os estados-membros deveriam eliminar a taxa ligada aos produtos menstruais).
Em 2020, a Escócia tornou-se o primeiro país do mundo a disponibilizar produtos menstruais gratuitamente em edifícios públicos. Afinal, se o fazem com o papel higiénico, por que não fazê-lo com produtos igualmente essenciais à higiene? Na Nova Zelândia, desde junho de 2021 que estes produtos são gratuitos para estudantes.
A pobreza menstrual humilha meninas e mulheres e atrapalha o seu futuro: em África, por exemplo, uma em cada dez raparigas falta à escola quando está menstruada por não ter acesso a produtos menstruais, ou por não ter casas de banho seguras na escola, diz a UNESCO. Só no Quénia, cerca de metade das raparigas em idade escolar não têm acesso aos produtos menstruais.
Ontem, soubemos que em Portugal, os produtos menstruais vão ser gratuitos em escolas e centros de saúde - uma medida que chegou a estar prevista no Orçamento do Estado de 2023, mas que não chegou a avançar. Permitir uma vivência digna e livre do seu corpo é apostar em meninas confortáveis, confiantes e que, assim, se podem focar no que interessa para o seu futuro.
Ao mesmo tempo que o papel da mulher na sociedade é questionado mediaticamente por forças nacionais e internacionais, percebe-se que também é tendência mundial destapar tabus e ver como a vida é diferente para homens e mulheres, também nas questões de saúde. O silêncio e a humilhação castiga. Assim foi durante séculos com as questões ligadas aos corpos femininos, assim esperamos que não seja mais.