Meio século da nossa promessa constitucional
No passado dia 25 de abril comemoramos três datas que marcam as nossas vidas coletivas. O 51.º aniversário da Revolução, o 50.º aniversário das primeiras eleições onde as mulheres tiveram exatamente os mesmos direitos que os homens e os 49 anos da aprovação da Constituição de 1976. E embora uma filha do seu tempo, a Constituição tem sabido envelhecer e garantir um sistema democrático que compara bem com outras experiências constitucionais, com os tratados e documentos internacionais que tratam da organização de um estado moderno e democrático.
Numa altura em que vemos crescer as críticas e os desafios aos modelos constitucionais onde o nosso próprio sistema se ancora, será útil relembrar os princípios e objectivos que há 50 anos os deputados constituintes, corrigidos os excessos revolucionários nas revisões de 1982 e 1989, procuraram garantir e que traduzem as bases dos ordenamentos democráticos um pouco por todo o mundo.
O primeiro papel de uma constituição democrática será garantir os direitos, liberdades e garantias das pessoas que vivem no nosso país, tenham elas aqui nascido ou aqui vivam. E essa obrigação está bem refletida no muito completo catálogo de direitos à vida e à integridade, a liberdade de expressão e a igualdade e não descriminação, entre outros. Por outro lado, os direitos constitucionalmente protegidos não se limitam à esfera política, incluindo o acesso à educação, à saúde e os direitos de quem trabalha. Acresce que a nossa constituição estabelece um limite à capacidade do Parlamento revogar ou restringir esses direitos, mesmo que, por absurdo, fosse essa a vontade da maioria dos deputados. E nota-se ainda que o nosso modelo constitucional reconhece os tratados e convenções internacionais de direitos humanos de que Portugal faz parte como fontes de direitos para cada um de nós.
A simples existência de direitos constitucionalmente consagrados não chega para podermos dizer que vivemos numa democracia. É necessário que existam igualmente os mecanismos para a sua aplicação e também qui a promessa constitucional portuguesa é significativa, através dos princípios que protegem e promovem o Estado de Direito e a igualdade de todos perante a lei.
Uma democracia não existe sem eleições livres, justas, secretas e periódicas onde escolhemos quem irá representar as nossas opções e procurar contribuir para responder às nossas aflições. Votar é um elementos fundamental de qualquer democracia e a nossa constituição preenche essa obrigação de forma exemplar. De facto, e ao longo dos últimos 50 anos todos os parlamentos eleitos e todos os governos que se formaram, obedeceram aos princípios constitucionais e foram reconhecidos como a manifestação legítima da nossa vontade coletiva, mesmo quando os resultados não correspondem à nossa vontade individual.
Finalmente, a democracia necessita de instrumentos que nos permitam acompanhar e controlar o uso que as pessoas que foram temporariamente eleitas para nos representar e governar são ao poder que lhes reconhecemos. E também aqui, a separação de poderes prevista no nosso texto constitucional prevê mecanismos de supervisão direta e indireta sobre o dia-a-dia das nossas instituições.
Aqui chegados, dir-se-ia que o nosso sistema democrático é perfeito e que tudo funciona bem. E, no entanto, todos sabemos que assim não é. Mas as falhas que encontramos não estão no desenho mas, e como em todos as construções humanas, na distância que medeia entre as nossas ambições coletivas e a sua concretização. Sem prejuízo, e para quem se revê nas garantias de um equilíbrio possível entre as liberdades individuais e a igualdade entre todos, seja através de mais Estado ou de mais mercado, o nosso esforço coletivo está bem definido: trabalharmos para que a nossa democracia corresponda ao que a nossa constituição promete.
Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL