McCarthy é o Líder, e agora?
O deputado Kevin McCarthy foi eleito Presidente da Câmara dos Representantes do 118º Congresso após uma semana tumultuosa e 15 rondas de votações, a primeira vez desde 1859 que um presidente passou por um processo tão longo. Os Democratas são tidos como tendo visto com gozo as dificuldades de McCarthy em fazer com que os deputados Republicanos de extrema-direita aceitassem a sua candidatura, e os media americanos e internacionais terem proclamado inequivocamente que se trata dum presidente seriamente enfraquecido.
Coincidentemente, a votação ocorreu a meio da noite de 6 de janeiro de 2023, exatamente dois anos após o ataque aos mesmos salões sagrados do Capitólio dos Estados Unidos, momento em que a democracia estadunidense foi seriamente ameaçada.
A realidade é que as instituições democráticas dos EUA são mais sólidas do que alguns previram, têm funcionado - na confirmação dos resultados das eleições de 2020; na eleição do presidente McCarthy pelos Republicanos na Câmara dos Representantes, a segunda pessoa na linha de sucessão para se tornar presidente do país depois do vice-presidente; assim como, funcionaram nas eleições intercalares de 8 de novembro de 2022 em que se temia consideravelmente que as eleições intercalares fossem marcadas pela violência política, após a insurreição de 6 de janeiro. Nenhum dos piores cenários se concretizou - as eleições intercalares de 2022 foram concluídas com sucesso, sem surtos significativos de violência e os resultados foram, com raras exceções, universalmente aceites mesmo pelos mais de 300 candidatos a cargos que declararam que não aceitaram os resultados das eleições presidenciais de 2020.
A maior parte da classe política e dos media deram um profundo suspiro de alívio depois da bem-sucedida eleição intercalar - as manchetes refletiam o sentimento geral: "A democracia sobreviveu às eleições intercalares"; "A democracia americana venceu as eleições intercalares"; "A democracia retorna em 2022", etc.
A democracia dos EUA agora está segura, fora de perigo? Nem por isso!
Donald Trump é o primeiro candidato presidencial em toda a história dos Estados Unidos que se recusou a aceitar o resultado de uma derrota nas eleições presidenciais, alegando que o resultado das eleições de 2020 lhe foi roubado, apesar das evidências contundentes de que a vitória de Joe Biden no Colégio eleitoral e no voto popular fora justa e legítima. É verdade que, apesar dos vários esforços, incluindo o seu incitamento à insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio, as instituições democráticas dos EUA se impuseram e Trump não conseguiu anular os resultados das eleições, tendo Biden governado os EUA como legítimo Presidente desde a sua tomada de posse. Mas Trump conseguiu persuadir uma grande parte do eleitorado dos EUA de que a eleição de 2020 lhe fora roubada. De acordo com um inquérito organizado pela Newsweek em novembro de 2022, 40% dos americanos acreditam que a eleição de 2020 foi roubada a Donald Trump, enquanto apenas 36% dos americanos discordam dessa afirmação.
Será que os EUA podem continuar a funcionar como uma democracia se 40% da sua população não acredita nos resultados de uma eleição democrática?
O desempenho relativamente fraco do Partido Republicano nas eleições intercalares e a derrota de muitos candidatos apoiados por Trump em disputas importantes levaram muitos comentadores a considerar que os resultados das eleições intercalares seriam um presságio do declínio na sorte política de Trump, que de acordo com essa visão estaria prestes a ser substituído como candidato presidencial Republicano por alguém como o vitorioso governador da Flórida, Ron DeSantis.
É muito cedo e, a meu ver, ingénuo, fazer tal previsão, e o facto de McCarthy ter que pedir a Trump para o ajudar a conquistar os membros mais recalcitrantes do seu partido para ser eleito presidente, certamente não é sinal de declínio do controle de Trump sobre o Partido Republicano. Não é difícil imaginar que o preço que McCarthy terá que pagar pelo apoio de Trump inclui um compromisso de apoiar o ex-presidente como candidato presidencial Republicano em 2024.
Assim, a América está de volta ao normal: tal como os Democratas foram mantidos reféns de todos os senadores nos últimos dois anos por causa de uma escassa maioria no Senado, a maioria reduzida que os Republicanos têm na Câmara torná-los-á reféns da sua extrema direita, e as concessões que McCarthy fez para ser eleito certamente anteveem que não existirá cooperação bipartidária entre Republicanos moderados e Democratas na Câmara dos Representantes. O governo dos EUA está dividido tal como o País e passará nos próximos dois anos por um impasse, disfunção e muita acrimónia com o ex-presidente Trump a exercer ativamente o seu controle sobre o Partido Republicano até à eleição presidencial de 2024.
O primeiro de uma série contínua de artigos sobre política e sociedade dos EUA. Artigos anteriores e outros comentários em inglês disponíveis no website: http://rendezvouswithamerica.com
Patrick Siegler-Lathrop é autor de Rendez-Vous with America, an Explanation of the US Election System, presidente do American Club of Lisbon