Marrocos e Portugal: celebrações de uma amizade secular
Duas grandes celebrações marcarão o ano de 2024. Em 30 de julho, o Reino de Marrocos celebrará com alegria o 25.º aniversário da entronização de Sua Majestade o Rei Mohammed VI. Passou um quarto de século desde que o Reino entrou no século XXI, em 1999, graças à visão e à ambição do soberano nos primeiros tempos do seu reinado.
A segunda celebração é a da amizade e da harmonia que une o Reino a Portugal há 250 anos, selada pela assinatura, em 1774, de um tratado de paz entre o Rei Sidi Mohammed Ben Abdellah e o Rei D. José I. Este tratado, que estabeleceu um quadro formal de paz e cooperação em benefício dos dois países, é considerado um marco importante nas futuras relações entre Portugal e Marrocos.
A Festa do Trono é um momento importante na História do Reino e na vida da nação. Simboliza a forte simbiose entre os marroquinos e o Trono Alauita, que reafirmam com alegria a sua firme ligação à augusta pessoa do Soberano e aos laços inabaláveis do ato de fidelidade Beià, pacto sólido que liga o Trono ao povo e que se perpetua há séculos.
Lembro-me perfeitamente desse período de transição de um reinado para outro. O povo marroquino, de luto pela perda de Sua Majestade o Rei Hassan II, fundador do Marrocos pós-independência, exprimiu de forma entusiasta a sua unidade em torno do seu novo Rei. O tom foi dado com o primeiro discurso do trono. Um vento de modernidade e de renovação soprava sobre o país. Sem demora, Marrocos, sob a liderança de Sua Majestade, começou a abordar algumas das controvérsias do passado e a dar prioridade à consolidação do Estado de Direito, num processo conhecido como “equidade e reconciliação”, único no mundo árabe e muçulmano. Em particular, os direitos das mulheres foram objeto de uma legislação inovadora, nomeadamente o Código da Família Moudawana, promulgado em 2005, que está atualmente a ser revisto para se adequar às expectativas expressas pelas diferentes componentes da sociedade marroquina, o Código da Nacionalidade, em 2007, e a Constituição de 1 de julho de 2011, que visa nada mais nada menos do que afirmar o forte empenho do Reino na consolidação e no respeito dos Direitos Humanos.
Seguiram-se vários projetos económicos e sociais e a construção de infraestruturas de nível mundial em todo o país. O desenvolvimento espetacular de várias regiões do Reino, em especial da Zona Norte. Esta zona tornou-se o segundo polo económico do país, com a realização de grandes projetos estruturais, como a construção do maior porto de África, Tânger Med, a maior fábrica ecológica da Renault e o desenvolvimento de um impressionante cluster automóvel, bem como a construção de uma linha ferroviária de alta velocidade para assegurar uma excelente conectividade entre o Norte e o Sul do país.
Todas as transformações que Marrocos sofreu ao longo dos últimos 25 anos foram impulsionadas por uma visão e por escolhas estratégicas para fazer do meu país um centro de investimento e um líder em determinados setores e ofícios. Ninguém poderia imaginar que Marrocos se tornaria um dos maiores construtores de automóveis do mundo, produzindo em breve um milhão de veículos por ano. Ninguém poderia imaginar que estava a caminho de se tornar um polo essencial para a aviação e a construção aeronáutica graças a um nível de maturidade adquirido ao longo de mais de 20 anos de existência deste ecossistema. Ninguém poderia imaginar que, com a construção de uma das maiores centrais solares, Noor, que marcou o ponto de viragem fundamental de uma forte aposta na produção de energia solar fotovoltaica, Marrocos, graças à multiplicação de projetos de energia fotovoltaica, se posicionou para se tornar um dos principais atores mundiais na produção de energia verde à base de hidrogénio.
Estes são apenas alguns exemplos que refletem o dinamismo e a vivacidade deste novo Marrocos, moderno e ambicioso.
Profundamente enraizado em África, Marrocos, por vontade do seu soberano, inaugura uma nova era nas suas relações seculares com o continente africano, baseadas na solidariedade e na cooperação Sul-Sul.
O envolvimento pessoal do Soberano, com nada menos que 54 visitas reais entre 1999 e 2019 e mais de 1.000 acordos de parceria assinados com 40 países, dá substância ao novo compromisso de Marrocos e confere um brilho especial à sua influência.
O forte empenhamento de Marrocos, através das suas instituições e empresas, inicialmente na África Ocidental e mais tarde no Leste e no Sul do continente, tornou-o o primeiro investidor na África Ocidental e o segundo maior investidor no continente.
A presença de Marrocos foi acompanhada de uma diversificação geográfica e setorial, com grandes projectos estruturantes e projectos com forte impacto social, próximos das necessidades das populações locais.
Em 2023, o OCP (Office Chérifien des Phosphates), o nosso líder mundial em fosfatos e fertilizantes, forneceu mais de 4 milhões de toneladas de fertilizantes a 44 milhões de agricultores africanos, proporcionando-lhes formação e apoio científico para os ajudar a enfrentar o desafio alimentar com que o continente é confrontado.
Poderia continuar a enumerar as realizações e os projetos empreendidos durante este quarto de século e os que estão para vir, cada um tão importante como o anterior - como a cobertura médica generalizada ou o reforço da economia digital através da estratégia Marrocos Digital 2030 -, mas gostaria de terminar destacando duas realizações importantes:
- a afirmação de uma comunidade de destino e uma visão de futuro do continente africano com a construção do grande porto atlântico de Dakhla, que permitirá : “Fazer da fachada atlântica um lugar de comunhão humana, um polo de integração económica e um centro de influência continental e internacional” - extrato do discurso de Sua Majestade, o Rei, a 6 de novembro de 2023. Composto por 23 países, o espaço afro-atlântico representa, por si só, quase metade da população de África e mais de metade do PIB do continente;
- a defesa da integridade territorial do Reino está no topo das prioridades da sua política externa. É o prisma através do qual Marrocos encara o seu ambiente internacional e avalia as suas relações com os outros Estados. A questão do Sara marroquino, que foi tratada de forma pragmática e proactiva, colocando em cima da mesa um plano de autonomia que dá às populações locais, no quadro de uma regionalização avançada, uma ampla margem de manobra na gestão dos seus próprios assuntos, alterou significativamente a questão.
De facto, em todas as suas resoluções, o Conselho de Segurança qualificou a proposta marroquina como uma via credível e séria para a resolução do conflito. A soberania marroquina foi reforçada por um forte apoio internacional ao Reino de países como os Estados Unidos, a França, a Espanha, a Alemanha, Portugal e muitos outros países europeus, bem como várias nações africanas e membros do Conselho de Cooperação do Golfo, todos eles apoiantes da proposta marroquina de autonomia para o Sara.
A celebração deste ano dos 250 anos do Tratado de Paz dá-me a oportunidade de recordar que Marrocos e Portugal ocupam um lugar real no imaginário coletivo dos marroquinos e dos portugueses, devido à história, à geografia e às relações humanas, culturais e económicas que desenvolveram ao longo dos séculos.
A saga da nossa História comum e o que nos uniu no passado constituem a base histórica sobre a qual assentam hoje as relações entre Marrocos e Portugal. A valorização deste património comum mostra como os nossos dois países souberam sempre, com inteligência, sabedoria e clarividência, transcender certas vicissitudes passageiras da nossa História para criar um magnífico e rico património civilizacional, ao serviço de uma relação construída com serenidade. Uma relação sólida, baseada no entendimento e na consideração dos interesses mútuos. A densidade e a diversidade destas relações, bem como os mecanismos de concertação postos em prática, conferiram um carácter dinâmico ao relacionamento entre os nossos dois países.
No entanto, estou firmemente convencido de que podemos fazer melhor na frente económica, porque temos enormes ativos, potencialidades e complementaridades a explorar. Devo admitir que assistimos recentemente a uma dinâmica notável a vários níveis, que mostra que os dois países são movidos por uma forte vontade comum de renovar os laços de cooperação e parceria e de explorar novas vias.
Com efeito, domínios como a cooperação em matéria de hidrogénio verde, a economia circular ligada ao ecossistema têxtil-vestuário, a inovação e a investigação nos setores automóvel, aeronáutico e da mobilidade, etc., conferem uma nova dimensão à nossa cooperação e perspetivas promissoras.
No domínio comercial, observou-se a mesma dinâmica. Marrocos tornou-se o principal cliente de Portugal fora da Europa e dos EUA. É também o principal parceiro comercial de Portugal no mundo árabe e em África. As exportações marroquinas também registaram um aumento significativo.
Em matéria de investimento, o Reino e Portugal suscitam um interesse crescente por parte de grandes empresas dos dois países, algumas das quais realizaram recentemente investimentos importantes nos setores automóvel, das energias renováveis, do outsourcing e da indústria aquática, entre outros.
A parceria económica entre os dois países será inevitavelmente reforçada, nomeadamente com a concretização de grandes projetos como a interligação elétrica entre os dois países, com uma capacidade de cerca de 1000 megawatts, e a implementação de uma nova linha marítima que ligará Portugal a Marrocos.
A posição geo-estratégica de Marrocos e Portugal, o seu património histórico e sócio-cultural e a realização de grandes projetos estruturantes são fatores de aproximação. Estes fatores irão estimular ainda mais as relações comerciais entre os nossos países, dando já sentido ao posicionamento de cada um na cadeia de valor e reforçando as nossas complementaridades cada vez mais evidentes.
Estou convencido de que, juntos, os nossos dois países podem tornar-se um verdadeiro campeão regional. A decisão de apresentar uma candidatura conjunta de Marrocos, Portugal e Espanha para organizar a fase final do Campeonato do Mundo de Futebol de 2030 é, como sublinhou Sua Majestade o Rei Mohammed VI, “uma oportunidade sem precedentes para criar uma ponte entre dois continentes e duas civilizações, a África e a Europa, e para aproximar as duas margens do Mediterrâneo. A ponte encarna de forma magnífica a ambição dos povos da região de avançarem juntos para uma maior colaboração, compreensão e comunhão”.