Marquês de Pombal: fundador da escola pública e apreciador das subtilezas da manipulação
O ano letivo está a acabar e a defesa da qualidade da escola pública tornou-se, nestes tempos de velocidade e de pouca reflexão, mais do que nunca um imperativo. A escola tem, atualmente, de preparar os alunos para os desafios das aprendizagens ao longo da vida e também para serem capazes de enfrentar a lógica de manipulação que subjacente a certas publicações nas redes sociais, manipulação essa que se vai ampliar certamente em tempos futuros graças à Inteligência Artificial (IA). Permitam-me que vos fale hoje da figura política que foi o fundador da escola pública em Portugal e também ele um fundador das artes da manipulação política. Esta é a minha décima quarta crónica neste espaço de opinião, sendo mencionada em baixo como professora do Ispa e escritora. Recentemente publiquei um romance na Bertrand com o título El-rei, Nosso Senhor, Sebastião José. Escolhi a figura do marquês de Pombal para personagem central de um romance, exatamente por me parecer que ele é um paradigma de uma certa forma de se exercer o poder, a qual se pode reconhecer atualmente em políticos como Donald Trump ou Vladimir Putin.
Os escritos da época afirmam que Sebastião José era encantador, alto, bem-apessoado, sabia fazer rir as damas e seduzir embaixadores estrangeiros com episódios brejeiros. Sob essa aparência encantadora infiltrava-se um ressentimento ancestral e a necessidade de corrigir a história de vida do fidalgote de forma a rever-se na imagem de um homem de contornos poderosos. Na vertigem do seu narcisismo está a necessidade de controlo e a punição a quem ousasse afrontá-lo. A sua imensa energia, quando aplicada contra os inimigos, podia encandeá-los para os queimar em lume lento ou em rápida incandescência. O exercício do poder pela punição, seguindo de muito perto as pisadas do mestre Maquiavel, transforma-se em prazer, o castigo é empolgante porque é a contínua validação da sua vitória sobre o fidalgote.
O medo enraizou-se com a ação governativa do Marquês, o mesmo povo que dizia «Mal por mal antes Pombal». Se antes o povo já tinha entregado a alma ao medo com a Inquisição, rodopia com mais velocidade nas chamas do medo com a ação governativa de Sebastião José.
Além de estender os tentáculos do medo sobre o povo, a nobreza e o clero, Sebastião José aplica outros recursos de controlo moderníssimos. A manipulação de factos, a propaganda e os círculos de favores são alguns dos meios de que Sebastião José recorre abundantemente para sustentar o seu poder. A estratégia da mentira ampliada e repetida mil vezes de forma a tornar-se verdadeira aos olhos da opinião pública era uma das armas preferidas de Sebastião José, qual foi muito usada, por exemplo, contra os jesuítas. Imaginem essas manobras retóricas ampliadas pelo uso das redes sociais e rapidamente somos transportados para a modernidade e para os esquemas atuais de seguidores acéfalos nas redes sociais, de teorias da conspiração ou de narrativas manipuladas. A criação de aliados e cúmplices através de círculos de favores, essa uma artimanha clássica de manutenção do poder, foi naturalmente usada pelo Marquês. Todos os ditadores contam uma história que justifica as suas ações. Estas narrativas manipuladas são do passado, acontecem no presente e pode-se prever que irão, sem dúvida, suceder no futuro. Sebastião José é a este nível uma referência. Na sua capacidade visionária de mudar o país recorre à grandiloquência das palavras – modernidade, progresso, avanço – para fundamentar abusos e esmagar os opositores. Mas a sua tendência para se narrar manipulando a história a seu favor vai mais longe ao ponto de procurar deixar escrito a leitura de que o futuro fará da sua persona. Reconhecem alguma destas características do marquês de Pombal nos tempos atuais?
Ana Cristina Silva
Professora do Ispa – Instituto Universitário e escritora