Mario Vargas Llosa (1936-2025)
Há exepções, como Jane Austen, mas em geral a literatura precisa de “factos literários”, de acontecimentos violentos, de revoluções, de contra-revoluções, de extremos de bem e de mal. Aquele que Harold Bloom consagrou como o maior escritor de sempre, Shakespeare, é disso um exemplo acabado, com o seu elenco de paixões e pecados capitais, de desejo, de poder, de ciúme, até de amor infinito e impossível.
Por isso ligamos o fim dos Impérios e a vinda da coexistência democrática civilizada dos centrões à decadência da literatura europeia e ao despertar de outras literaturas.
Um despertar que aconteceu nas Américas a sul do Rio Grande, com as literaturas hispano-americanas (há também uma riquíssima literatura brasileira que hoje apenas posso aqui registar).
As literaturas hispano-americanas floresceram com força quando a Europa caía no confortável crepúsculo da social-democracia-capitalista-liberal e na aparente ausência de pathos, enquanto nas Américas fervia a revolução de Cuba. A partir daí, entre os populismos revolucionários de reminiscências marxistas e as autocracias protectoras e protegidas da United Fruit, entre guerrilheiros românticos à “Che” Guevara e golpes militares à Pinochet ou à Videla, entre a Teologia da Libertação e o nascer dos barões da droga, o sub-continente do que fora a América espanhola impôs-se como um filão de matéria-prima para histórias, sonhos e pesadelos.
Daqui viria o “realismo mágico”, uma transladação dos velhos mitos das “Índias” do Ocidente dos navegantes e exploradores do século XVI que agora inspiravam os grandes escritores, que nem sempre foram os mais conhecidos ou reconhecidos – Jorge Luís Borges (que sendo talvez o maior de todos, não ganhou o Prémio Nobel, diz a “desinformação” que devido às suas simpatias direitistas), Garcia Marquez, Juan Rulfo, Alejo Carpentier, Julio Cortazar, Bioy Casares, Miguel Angel Asturias, Mario Vargas Llosa.
Vargas Llosa, que morreu no Domingo passado, Domingo de Ramos, em Lima, no seu Peru natal, era o grande sobrevivente destes “realistas mágicos” e foi Prémio Nobel da Literatura em 2010.
Estreou-se com La ciudade e los perros, uma memória do colégio militar Leoncio Prado em que o pai – que via escritores e poetas como um bando de “borrachos, bohemios o maricones” – o internou para o curar da Literatura.
Aproximou-se de França, como outros, através de Flaubert, de Sartre, de Camus e vivendo em Paris.
Li parte da sua vasta obra, desde o divertidíssimo e autobiográfico La tia Julia y el escribidor aos meandros e terrores da ditadura de Rafael Leonidas Trujillo em La fiesta del chivo; ou ao seu relato inspirado na Guerra dos Canudos em La guerra del fin del mundo (uma guerra brasileira que eu conhecia de Os Sertões, do Euclides da Cunha), passando por Tiempos recios, a história da queda do governo esquerdista de Jacobo Árbenz Guzmán na Guatemala por um golpe do coronel Castillo Armas, devidamente inspirado pelo (agora famoso) Deep-State norte-americano.
Vargas Llosa começou por ser membro do clandestino PCP (Partido Comunista Peruano) e admirador de Fidel Castro e da revolução cubana, para se tornar liberal e candidato pela Frente Democrática à presidência do Peru em 1990. Foi então vencido por Alberto Fujimori e retirou-se para Espanha. Nos últimos anos, nas eleições do sub-continente, já com o Prémio Nobel acautelado, apoiou políticos de Direita, como o brasileiro Bolsonaro, o chileno Kast e o argentino Javier Milei.
Mas não é pela política que fica no meu devocionário.
Politólogo e escritor. O autor escreve de acordo com a antiga ortografia