Manuel e Adriana
Todos nós, pelo menos os que vivemos no que nos fomos habituando a chamar como “Ocidente”, cultivámos, nas últimas décadas, uma idílica ideia de paz no mundo e do fim das antigas disputas entre as várias potências, entre os tradicionais impérios.
O Ocidente ia-se expandindo para leste, o comércio alcançava agora o que, outrora, a força das armas não tinha conseguido, e a todos parecia que poderíamos caminhar numa concórdia com dimensão universal.
E andávamos todos, tal como, outrora, a “Linda Inês”, “naquele engano de alma, ledo e cego,/Que a fortuna não deixa durar muito”, quando começámos a sentir que nem tudo o que acontecia se podia explicar a partir das evidências que os nossos olhos percebiam.
Ou porque os resultados eleitorais não eram explicáveis apenas pela livre expressão da vontade dos cidadãos.
Ou porque a internet era portadora de mensagens, em quantidades e diversidade, que nenhum ser humano conseguia produzir.
Ou porque, porventura por descuido comunicacional, até os financiamentos pouco confiáveis eram divulgados.
Ou porque, entre trols, redes sociais incontroláveis, perfis falsos e outras coisas semelhantes, já ninguém conseguia distinguir a verdade da mentira, a realidade da ficção.
Enquanto tudo isto acontecia nós colocávamos no topo das nossas preocupações a manutenção do Estado Social, a qualidade dos serviços públicos e a tranquilidade pública garantida por policiamento de proximidade e conhecimento das comunidades.
E foi assim que, estimulando a livre circulação de cidadãos pelo mundo, fomos surpreendidos pelo império que, há mais de um século, tem como constante ideológica e estratégica, a destruição do Ocidente.
Talvez devamos perceber que à segurança e tranquilidade que se vê e se sente sobreleva a que se não vê, e que é essencial para a manutenção da nossa sociedade.
À defesa da soberania junta-se, agora, a defesa da liberdade e das nossas instituições democráticas.
Mas, para isso, é preciso dotar os estados de meios e recursos que, com demasiada frequência, a nossa sociedade tem dificuldade em aceitar.
Para ilustrar o que disse prevaleço-me da atual realidade francesa.
O primeiro círculo dos serviços de informações francesas têm as seguintes dotações (dados públicos):
- Orçamento anual (sem despesas de pessoal) - €800 milhões
- Fundos secretos anuais - €75 milhões
- Efectivos - 17.000 agentes
E por cá?
Sei que esta não é matéria para comunicados, nem conferências de imprensa.
Mas, todos ficaríamos mais tranquilos sabendo que quando falamos com o Manuel, ele não é verdadeiramente o Vladimir e que quando encontramos a Adriana, não estamos, de facto a encontrar a Yekaterina.
A sensação de segurança é cada vez mais exigente e de pouco nos vale o Estado Social, sem liberdade e sem o primado do direito.
Advogado e gestor