Manifesto contra o trabalho remoto total

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O trabalho remoto, aclamado como a panaceia para o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, esconde um lado francamente obscuro e de que não gosta de se falar. Não gosta e todos têm medo das represálias. Represálias nas empresas e nas redes sociais em geral, porquanto o pensamento não é politicamente correto, não é alinhado com a turba que só pode e só deixa pensar de forma única.

A erosão da cultura empresarial e a inibição da estratégia organizacional com o trabalho remoto são uma constatação que começa a trazer impactos brutais. Ah, e tal, consigo ser mais produtivo em remoto. Não digo que não. Mas as produtividades somadas de todos quantos estão produtivos servem para alimentar a produtividade empresarial ou o grande output final da empresa em conjunto? Nem por isso.

É que sem o ambiente físico e social do escritório, a cultura, o alicerce da identidade e coesão da empresa, esvai-se, levando consigo a capacidade de formular e implementar uma estratégia eficaz.

Coloquemos a cultura empresarial em coma. Cultura empresarial que são valores, que são rituais, que são práticas conjuntas. Libertem-se todos para cada um ficar no quentinho de casa e procurem-se esses valores e práticas conjuntas, esses rituais de grupo que emergem apenas quando se trabalha lado a lado, na mesma sala, no mesmo espaço, no mesmo ambiente. Quando entramos em desespero porque o parceiro do lado faz barulho a mais e temos mesmo de nos gerir para refrear o ímpeto de um palavrão, fechando a boca. Experimentem-se isolamentos prolongados em casa onde ninguém sai senão para ir ao ginásio ou ao psiquiatra. E depois construam-se empresas capazes de se unirem e de se apoiarem para ultrapassarem obstáculos. Conviverem com as diferenças. Ultrapassarem quezílias, má comunicação, incompatibilidades que terão de forçar-se a ser compatíveis. Experimente-se isolar o ser humano do mundo exterior e das dificuldades e virtudes desse mundo. Ganha foco? Ganha motivação? Consegue ser ainda mais produtivo? Produtivo com o output que importa ao grupo?

A cultura empresarial floresce da interação humana, nos cafés matinais, nas conversas de corredor, no almoço em equipa. No mundo remoto, essa vitalidade transforma-se e esfuma-se numa sombra. A comunicação torna-se digital, fria, impessoal, reduzindo o contacto e a partilha de conhecimento tácito, a criação de laços e o senso de pertença. Sem uma cultura vibrante, a empresa perde alma, transformando-se num amontoado de indivíduos.

A estratégia, por seu lado, é a bússola que guia a empresa em direção ao futuro, que respalda e alinha pessoas para esse futuro, que está fortemente dependente de uma comunicação eficaz, do brainstorming criativo e do alinhamento entre colaboradores. O

trabalho remoto, com uma comunicação fragmentada, truncada e uma interação limitada, dificulta todos estes processos cruciais. A formulação estratégica torna-se um exercício teórico, divorciado da realidade da equipa e do mercado.

Finalmente, as lideranças, figuras inspiradoras e motivadoras, veem-se reduzidas a ícones de uma tela. A liderança precisa de proximidade, do contato visual, da leitura da linguagem corporal para inspirar e guiar. No mundo virtual, essa conexão torna-se tênue, superficial, enfraquecendo a capacidade de levar à prática a liderança e torna incapaz a criação de laços de confiança entre todos.

A inovação, a força vital que impulsiona o crescimento e a adaptabilidade, nasce do encontro casual de ideias e perspetivas diferentes. No trabalho remoto, tudo está confinado aos limites do ecrã, limitando a troca informal de ideias e o nascimento de soluções inovadoras.

Somando tudo, o trabalho remoto, apesar de ter algumas vantagens, não é nem será uma panaceia. Sem uma cultura forte e uma liderança presente, a estratégia torna-se um adereço irrelevante. E não há empresas sem cultura, sem estratégia, sem liderança e sem inovação. Mas é para lá que nos levam todas as forças.

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