Maltratar animais tem de ser, necessariamente, um crime
O Ministério Público pediu a declaração de inconstitucionalidade da norma da lei de proteção dos animais que criminaliza com multa ou prisão quem, sem motivo legítimo, mate ou maltrate animais de companhia (Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto). Corremos, portanto, o risco de os maus-tratos aos animais deixarem de ser crime e de quem os maltrata não ser penalmente responsabilizado. Um risco muito preocupante.
Os animais não são meras coisas ou objetos dos quais possamos dispor a nosso bel-prazer e aos quais possamos fazer aquilo que bem entendemos. Os animais são seres vivos que sentem dor e prazer, tristeza e saudades, medo e ansiedade. Assim, naturalmente, sofrem quando passam fome, sede ou frio, quando ficam privados da liberdade, quando são batidos ou sujeitos a experiências adversas.
Sabendo disto, o que podemos dizer de quem maltrata os animais?
Quem maltrata os animais, seja por ação ou omissão, revela necessariamente ausência de empatia e de compaixão. Se tal não fosse, como poderia assistir ao sofrimento de um animal sem se sentir compelido para o ajudar e proteger? E esta ausência de empatia e compaixão traduz uma dificuldade em descentrar-se de si mesmo, em colocar-se no lugar do outro e em sentir desejo de aliviar o seu sofrimento. Características muito preocupantes e que, não raras vezes, se manifestam noutros contextos, também com pessoas.
Quem maltrata os animais, seja por ação ou omissão, revela necessariamente ausência de empatia e de compaixão."
Sabemos que os maus-tratos aos animais podem ser precursores da violência contra pessoas - crianças ou adultos. Um processo de escalada que habitualmente surge de mãos dadas com alguns traços de personalidade como a superficialidade afetiva, a ausência de remorsos ou sentimentos de culpa, a insensibilidade e a impulsividade. Traços de personalidade que podem constituir um risco e relacionar-se com a presença de psicopatia. No contexto da violência doméstica, por exemplo, os maus-tratos aos animais são também uma forma de agressão do/a parceiro/a, bem como das crianças que (frequentemente) integram o sistema familiar.
Ora, maltratar um animal, seja de que forma for, e não sofrer qualquer tipo de consequência negativa ou responsabilização, equivale a dizer que esse comportamento não é, de forma alguma, inibido. Pelo contrário, a pessoa que maltrata pode até sentir-se encorajada a manter esse comportamento, ou mesmo a aumentar a sua frequência ou severidade (o processo de escalada de que falamos acima). Ao mesmo tempo, não devemos esquecer que as crianças aprendem também por observação e modelagem - aprendem, aqui, que ser agressivo e maltratante não tem qualquer consequência aversiva e que é, portanto, um comportamento legítimo e aceitável na nossa sociedade. Que impacto poderá esta aprendizagem ter no seu processo de desenvolvimento?
Pelos animais, em primeiro lugar, e também pelas nossas crianças e jovens, é imperativo que os maus-tratos aos animais sejam entendidos como um crime, não apenas à luz da moral, mas também da lei.
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal