Mais vale um jacarandá na mão…

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Ser destaque no prestigiado Le Figaro por permitir o abate de jacarandás para fazer um parque de estacionamento deve ter tido, em Carlos Moedas, o efeito de uma congestão. Entusiasta da cultura francesa, o presidente de Lisboa não deve ter gostado do contraste gritante com Paris, que acaba de anunciar o fecho de 500 ruas ao trânsito, o fim de 10 mil lugares para carros e o reforço da arborização.

Quando o caso chegou à imprensa internacional, já milhares de assinaturas numa petição pública tinham feito soar os alarmes nos Paços do Concelho e a vereadora do Urbanismo já viera dizer que só seriam abatidas árvores doentes, as restantes seriam transplantadas, e que os trabalhos só arrancariam depois do projeto ser explicado em detalhe. Só que, horas depois destas garantias, os lisboetas assistiram ao escavar de raízes do primeiro jacarandá e a indignação saltou das redes sociais para os diretos televisivos e para uma providência cautelar do PAN.

Entre a espada e a polémica, o presidente da Câmara resolveu apostar numa operação de charme e fez plantar 15 jacarandás em dois dias em terrenos vizinhos da Avenida 5 de Outubro - apesar de saber perfeitamente que nenhuma árvore adulta pode ser substituída por uma nova, que demora décadas a crescer se, entretanto, não morrer.

Carlos Moedas só por uma vez deu a cara para falar do assunto, na televisão, e para repetir um mantra que todos conhecem: “A questão é que aquele projeto foi aprovado muito antes de eu chegar.” Lembram-se do “Estou de mãos amarradas” no caso dos painéis publicitários que afinal tinha sido o próprio a assinar?

É verdade que o projeto de Entrecampos vem de trás, tal como os projetos das novas casas, dos novos centros de saúde, da única residência universitária construída nos últimos anos e de quase tudo o que ainda mexe em Lisboa. Mas Moedas omitiu que o Executivo de Fernando Medina não aceitou o abate dos jacarandás, nem mesmo quando o promotor se propôs a plantar mais árvores, como evidencia o relatório de passagem de pastas. Por outras palavras, o projeto foi herdado do passado, a autorização para o abate não.

Já antes, um parecer dos serviços da câmara tinha proposto a alteração do projeto do parque de estacionamento para manter as árvores, recomendando “preservar todos os exemplares” porque estavam em boas condições fitossanitárias. Não se entende, por isso, como é que chegamos a 2025 com jacarandás tão doentes que já têm certidões de óbito.

Este caso obriga-nos a refletir sobre a urgência na preservação do património natural, sobretudo em meio urbano, mas também sobre a forma como o poder eleito em Lisboa tem vindo a ignorar e desrespeitar os cidadãos, afastando-os da participação nas decisões da cidade. Para mim, que nos últimos três anos vi desaparecer os orçamentos participativos que tinham feito de Lisboa um exemplo a nível europeu, nada disto é novidade.

A sorte dos lisboetas - e dos jacarandás - é que 2025 é ano de eleições. Embora Carlos Moedas não seja candidato, sabe que para ir a votos mais vale um jacarandá na mão do que dois jacarandás a definhar. E talvez, apenas talvez, por causa disso venha a encontrar uma alternativa à destruição deste corredor arbóreo da cidade. Talvez, apenas talvez, consiga fingir que ouve o que lhe estão a dizer os lisboetas.

Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara

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