Mais inovação e cidadania no portal “Mais Transparência”

Publicado a
Atualizado a

A confiança entre os cidadãos e as instituições políticas é a base de qualquer democracia forte. No entanto, vivemos numa altura de crescente desconfiança, impulsionada por escândalos, falta de transparência e aumento de populismos. Por que não recorrer a uma revolução digital no portal “Mais Transparência”?

A ética na política não pode ser vista apenas como uma questão de normas e regulamentos. Ao integrarmos mecanismos de vigilância digital nas nossas estruturas e processos, podemos não só prevenir más práticas, mas também promover comportamentos éticos e mais transparentes.

A implementação de um sistema de controlo de tempos de licenciamentos centrais, regionais e autárquicos no portal “Mais Transparência” é um dos mecanismos mais poderosos para escrutinar os processos decisórios. O tempo que os poderes públicos demoram a tomar decisões é, muitas vezes, proporcional ao nível de corrupção que se pode infiltrar nesses processos. Quanto maior é a demora, maior é a oportunidade para influências indevidas e práticas corruptas.

Imagine-se um painel de controle interativo e dinâmico ou um cockpit, onde qualquer cidadão possa monitorar, em tempo real, o fluxo dos processos de licenciamento, identificar atrasos injustificados e questionar diretamente a administração pública sobre estrangulamentos burocráticos. Essa ferramenta ajudaria a romper com a opacidade e a lentidão que historicamente favorecem práticas antiéticas.

Mas não podemos parar por aqui. Algoritmos avançados podem identificar e antecipar padrões suspeitos, acionando alertas automáticos para os interessados e para os órgãos de fiscalização interna e externa.

Além disso, uma plataforma digital eficiente, intuitiva e acessível permitiria aos cidadãos consultar de forma rápida e simples as declarações de rendimentos, património e conflitos de interesses dos políticos. Hoje, essa informação está enterrada sob camadas de burocracia e interfaces pouco intuitivas. Para se ter acesso, são exigidos requerimentos, motivos e documentos anexos.

A promessa de “acesso público” é, até agora, uma miragem. E quando a informação está oculta, seja a de um membro do governo ou de qualquer outro decisor público, o resultado de suspeita e desconfiança é inevitável. A falta de uma plataforma eficiente não é apenas uma falha técnica, é uma ameaça direta à confiança na democracia.

Os cidadãos também devem ser protagonistas desta transformação. Aplicações móveis podem desencadear notificações sobre o estado dos seus processos administrativos, possibilitando a denúncia de irregularidades de forma rápida e segura.

A implementação deste cockpit cívico no portal “Mais Transparência”, não seria apenas uma inovação tecnológica, seria uma necessidade urgente para toda a sociedade. Políticas públicas mais disruptivas não são um luxo, são a única forma de resgatar a confiança na democracia. O dinheiro existe no PRR e só temos de incluir uma camada de transparência e interoperabilidade nos vários sistemas que estão em desenvolvimento.

A interoperabilidade do portal “Mais Transparência” com o portal BASE das compras públicas e com o Registo Central dos Beneficiários Efetivos (RCBE) é também uma aspiração de cidadania várias vezes reclamada pela sociedade civil e sistematicamente adiada.

Chegou o momento de ir para além dos velhos modelos meramente prescritivos de combate à corrupção e passar a adotar ferramentas digitais efetivas, que coloquem o cidadão no centro da fiscalização e da decisão política.

A transparência não pode ser apenas um conceito ético e jurídico nem uma arma de populismo político insuflado por percepções e cartazes incendiários, deve ser uma realidade concreta e uma questão de Estado, baseada em factos comprovados, acessível e inegociável para todos.

Especialista em governação eletrónica

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt