Mais defesa e mais despesa, com bênção americana e alemã
Duas negociações fora de Bruxelas podem ter aberto caminho para duas grandes transformações da União Europeia. Em Roma, Biden disse que os Estados Unidos não têm nada contra a defesa europeia. Em Berlim, sociais-democratas, verdes e liberais admitem aceitar que a Europa volte a emitir dívida comum, desta vez para investimentos na economia verde. A acontecer, uma e outra, a União Europeia será substancialmente diferente. Federalmente diferente.
Desde a saída desastrosa do Afeganistão e do conflito sobre o negócio dos submarinos com a Austrália que franceses e outros entusiastas de uma defesa europeia têm ganho espaço. A evidência de que os americanos têm outras geografias prioritárias, outros aliados preferidos e mais com que se preocupar dá força aos que defendem que a Europa, tendo de ser cada vez mais responsável pela segurança e a defesa à sua volta, terá de o ser conjunta e centralizadamente.
A principal resistência à defesa europeia tem vindo dos países que consideram que isso pode ser uma traição aos americanos e uma exposição excessiva ao risco, porque poucos, a leste, confiam na disponibilidade francesa para combater se a Rússia os atacar; e dos que veem na continentalização da defesa europeia uma ameaça aos seus interesses mais atlânticos (sendo que os que mais pensavam assim já se foram embora).
Joe Biden encontrou-se com Macron na embaixada francesa junto da Santa Sé para fazer as pazes depois do conflito sobre o negócio dos submarinos. Sobre esse assunto, disse pouco e o pouco que disse não teria resolvido nada. "Foi gerido de maneira desastrada." Pois foi. Já sobre o outro tema, a defesa europeia, também não disse muitas coisas, mas o pouco que disse quis dizer muito.
Todos se lembram de Donald Trump dizer aos europeus que tinham de contribuir mais para a NATO e gastar mais em defesa. Apresentada noutros termos, mais corteses, fora sempre essa a posição americana. Biden, porém, disse uma coisa nova. Falou da "importância de uma defesa europeia mais forte e capaz". Isto já não é a mesma coisa. Os americanos estão a indicar aos aliados a leste, em particular aos bálticos e aos polacos, e a outros aliados tradicionais também, que esta iniciativa não é antiamericana, não é anti-NATO e é necessária. E ao fazê-lo com e perante o presidente francês estão obviamente a legitimar a liderança e as ambições francesas. O que vale bem alguns submarinos.
Nas negociações para o próximo governo, pode ter-se quebrado a resistência alemã e aberto a porta a nova despesa comum europeia. Os verdes exigem mais investimento nas políticas e infraestruturas de resposta às alterações climáticas, os liberais recusam despesa pública para além do défice zero, e os sociais-democratas querem que a estratégia verde não destrua empregos. A solução pode ser admitir um novo Next Generation EU, mas para o verde. Permitir que a Alemanha e outros Estados membros que se podem endividar mais mas não querem fazê-lo, e que os que querem mas não podem, como nós, possam acelerar o investimento na transição verde e o consumo de produtos mais ecológicos mas europeus (como carros elétricos alemães, que precisarão das infraestruturas de carregamento para serem sucessos comerciais) se faça com dinheiro europeu é abrir a porta a uma transformação de fundo.
Depois da resposta à pandemia, a expansão da economia verde, a pretexto da resposta comum a uma ameaça comum, seria a oportunidade para ter dívida europeia e, necessariamente, investimentos guiados por Bruxelas.
Quem for federalista tem razões para celebrar. Quem não for tem de responder com outras soluções, mas não pode fazer de conta que os problemas não são estes.
Consultor em assuntos europeus