Luís Montenegro e as alterações à lei da greve

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Com meio Portugal de férias e outra metade a derreter de calor, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, foi à reunião da Concertação Social dizer, em pessoa, aos parceiros - patrões e sindicatos - que quer alterar a lei que regula o trabalho em Portugal, para que - entre outras metas que não disse - existam serviços mínimos em “todas as ocasiões”. Ou seja, que quer serviços mínimos em todas as greves.

A ideia de mexer na lei laboral não é nova e a alteração aos serviços mínimos é uma reivindicação antiga de certos setores, reforçada recentemente com o caso das mortes de cidadãos durante uma greve do atendimento telefónico do INEM. Mas a posição do primeiro-ministro motiva duas reflexões relevantes.

A primeira é que, politicamente, o primeiro-ministro sente que o país que o elegeu (e fez crescer imenso a ala ainda mais à direita da AD) está pronto para aceitar mudanças estruturais nas peças de legislação que eram (ou são) “vacas sagradas” da esquerda. Uma delas é a Lei do Trabalho.

Criação de sucessivos Governos do PS e alvo apenas de atualizações, como a que aconteceu no período da troika. Mesmo em pleno resgate, foi o “cabo dos trabalhos” para se proceder a uma revisão da lei. O PSD e o CDS falaram em flexibilizar a contratação; a esquerda do PS para trás falou em “facilitar os despedimentos”.

É hoje claro que a atual lei continua a ser uma manta de retalhos pensada, projetada e martelada para um mundo que já não existe. Mas nem é essa a principal questão política em cima da mesa. A mais relevante é que um primeiro-ministro sem maioria, ainda sob fogo por questões éticas e dependente do PS ou do Chega para aprovar um Orçamento, sinta que está ao seu alcance mudar de forma extensa a lei que regula a relação laboral de todos os portugueses. É só confiança ou é algo mais, e já debateu isso com outros líderes partidários? Veremos.

A outra reflexão também remete para as eleições de 18 de maio. E para as anteriores legislativas e as anteriores a essa. A reação tépida das centrais sindicais ao que o primeiro-ministro disse no final da reunião da Concertação não seria possível com a esquerda que existia em 2015. Há uma década, cairia o Carmo e a Trindade. Mas hoje, o PCP comanda três deputados; o Bloco de Esquerda uma deputada; o PS está em consulta de acompanhamento psicológico para perceber se quer reganhar o centro ou revitalizar a esquerda como um todo; já o PAN e o Livre, com o devido respeito, não têm representatividade e cobertura territorial para organizar protestos que tomem as ruas. A CGTP é dirigida por um relativo desconhecido, Tiago Oliveira, estando longe da energia e do reconhecimento que tinha Arménio Carlos. Ou seja, Luís Montenegro avança porque quer, mas sobretudo porque pode. É mais fácil marcar golos quando o outro lado não tem guarda-redes.

O tema abriu o Telejornal da RTP e esteve entre as primeiras notícias às 20h00 na SIC, mas ficou longe do “bruá” que daria há anos. As férias e o calor não explicam tudo.

Diretor-adjunto do Diário de Notícias

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