Luto internacional
O falecimento do Papa Francisco, no dia a seguir à celebração da Páscoa, foi também pleno de significado. Do homem que abdicou da sua própria saúde pelo sentido de dever. O esforço em prestar a bênção Urbi et Orbi, num ano jubilar sob o tema Esperança, foi de tal ordem que o seu corpo não resistiu e pereceu. Este texto não é sobre o legado do Papa Francisco nem sobre as razões que o levam a ser tão popular, até junto dos não-crentes ou dos que, teoricamente, a nível político, não poderiam ser-lhe mais antípodas.
Muitas foram as reacções e a maioria delas com palavras abonatórias à figura e ao legado papal. Contudo, algumas pessoas foram contra o decretar-se luto nacional em Portugal. Afinal, como é que um país laico se imiscui com questões de fé? É verdade que o Estado é laico, mas o país não o é. Ainda há 80,2% de católicos em Portugal, segundo os censos de 2021. E nem vamos falar em Fátima como uma referência de milhões de portugueses e o seu peso para com os crentes a nível internacional, para além da ligação estreita com o Vaticano. A laicidade do Estado não vê ferida a sua neutralidade perante eventos religiosos quando respeita um sentimento colectivo, como é o caso da morte de um Papa. Não há aqui um envolvimento directo do Estado nos assuntos da fé, adoptando-a: há sim o respeito pelo sentimento da maioria do povo e, também, o reconhecimento da importância internacional de uma figura com impacto directo. É o caso do Papa Francisco. Acrescente-se-lhe um outro pormenor: um Papa, para além de Sumo Pontífice e Chefe da Igreja Católica, Vigário de Cristo na Terra e Bispo de Roma, é também um Chefe de Estado, do Estado do Vaticano, com o qual Portugal tem uma relação política (e diplomática) centenária, quase milenar. Na sequência destas premissas, nada mais natural do que decretar-se luto nacional. O luto nacional não serve só para homenagear uma personalidade (ou vítimas de catástrofes), mas sobretudo para reflectir sobre o seu testemunho e significado. Foram várias as personalidades internacionais homenageadas por Portugal, decretando-se luto nacional, destacando-se, para além dos Papas João Paulo II e Bento XVI, a Rainha Isabel II, Nelson Mandela, rei Hassan II de Marrocos, imperador Hirohito, Samora Machel, o antigo presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors. O luto nacional é uma forma de homenagear e respeitar uma figura singular pela sua importância histórica, internacional, ou pelo seu legado e relação com o nosso país. Provavelmente, para os católicos portugueses, não seria preciso que fosse decretado para o sentir. Porém, e como se viu pelas declarações proferidas por todo o mundo, mais que nacional, é um luto internacional.
Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico