Luís Fróis, o Jesuíta repórter

O nosso encontro foi há 480 anos e a ligação do Japão a Portugal é uma história que merece ser bem celebrada por ter sido única, útil, duradoura e bem registada.

Única pela dimensão universal dos homens que se encontraram, útil porque alguns deles entregaram a sua vida à descoberta de um país novo transmitindo entre eles o ganho que obteriam em reconhecer-se como novas culturas. Historicamente duradoura porque foi efetiva a troca nos objetos do comércio, dos conhecimentos científicos (a náutica, a cartografia, a mineração da prata) e artísticos (as técnicas de pintura, a música clássica ), e bem registada porque o encontro deu-se com os japoneses, muito requintados na sua cultura e forma de vida, que se interessaram pelas novidades europeias que lhes foram trazidas pelos portugueses e a registaram no melhor retrato que temos hoje do nosso quotidiano de comerciantes do século XVI; os biombos Nanbam.

Não se tratou de uma invasão, mas de uma entrada franca, para o comércio por mar, ligando pela primeira vez a Europa ao Japão. Também aqui fomos pioneiros e na História que ensinamos do "DNA - navegador-português", a chegada ao Japão deveria constar como o momento de globalização mais longínqua do Renascimento. Sabemos que a imposição da religião cristã e as suas consequências, a alteração política com a nascente unificação do Japão e com a passagem do Reino de Portugal para o domínio de Castela, tudo isso levou a relação inicial a um desastroso fim, mas...

Os documentos confirmam 8 décadas frutuosas de contacto, tanto em Portugal como no Japão, e o esforço que foi feito para relatar o mundo novo que se abria com este encontro.

Destaco neste ano de celebração a figura de Luís Fróis, que nos deixou cerca de 4000 páginas manuscritas descrevendo o Japão, no qual viveu 34 anos. Deste notável trabalho manuscrito de repórter que sintetiza em 1591 a notícia e descreve sem preconceito ou crítica, só tivemos as primeiras publicações no final do século XX: "A História do Japão" publicada pela Biblioteca Nacional em cinco volumes e o Tratado das contradições e diferenças de costumes entre a gente da Europa e esta província do Japão, onde Fróis apresenta em simetria as 690 diferenças entre as duas culturas, revelando a dimensão universal de Luís Fróis. Sobre este texto Levy-Strauss escreveu:

"A simetria que se reconhece entre duas culturas une-as, opondo-as. Surgem ao mesmo tempo semelhantes e diferentes como a imagem simétrica de nós mesmos refletida num espelho...Quando o viajante se convence que os usos em total oposição com os seus que seria tentado a desdenhar e rejeitar com nojo, lhe são de facto idênticas vistas ao contrário, arranja forma de absorver a estranheza e de a tornar familiar. "*

Assim foi com Fróis. E para demonstrar o fascínio que viveu no Japão escolhemos a descrição de um jardim, elemento essencial da cultura Japonesa, que ele anuncia com espanto e admiração, e que revela o ambiente pacífico das primeiras décadas do encontro. Visitas a jardins só se fazem quando se vive em paz. Direi mais, são a marca de um bom entendimento mútuo. Dão-nos também a lição de continuidade dos japoneses no cuidado e no gosto por essas obras de arte, pois 480 anos mais tarde ainda podemos visitar em Kyoto e Nara os jardins tal como foram descritos por Fróis.

Em Kyoto, 13 dos 17 jardins descritos ainda podem ser visitados e alguns estão hoje na lista do Património Mundial da UNESCO. Em Nara, todos menos dois dos seis jardins que Fróis descreve continuam a ser destinos preferidos para peregrinação e turismo e é notável o cuidado com que esses lugares sagrados, ao ar livre, foram sendo mantidos durante tantos séculos.

Que melhor maneira de terminar este texto do que dar a voz a Fróis e revelar o espanto e alegria com que há 450 anos descreveu o encontro de civilizações? "Fomos primeiramente com alguns trinta Christãos (japoneses) ver os paços do Cubocama, que é o senhor de todo o Japão,[...] & vimos huns aposentos, que tem pera sua recreação apartados, a mais limpa, & alegre, & lustrosa cousa que vi em meus dias, nem me lembro aver visto em Portugal, nem em toda a India casas, que em primor, limpeza, & graça se lhe possam igualar. De fronte das janelas deste aposento estava hum jardim das mais frescas, e estranhas arvores que vi, assim de cedros, aciprestes, pinheiros, & laranjeiras , como de outras arvores não conhecidas entre nós, & todas por artificio criadas, de maneira que ficão humas sendo amaneira de sinos, outras como torres, outras como abobadas, & assim de varias maneiras. Os lírios, cravos, rosas, boninas, & flores são tantas, & de tão diversas cores, & cheiros, por ser cousa em que se mais revem, & exercitão por seu passatempo, que aos que as vêm continuamente causão admiração, quanto mais a quem ellas são estranhas"**.

*Lévi-Strauss, C. (1998). Préface. In Européens et Japonais-traité́ sur les contradictions et différences de mœurs. Paris: Chandeigne.
**"Cartas de Japão - do Padre Luis Fróes do Miaco pera os irmãos da India a 27 de Abril de 1565".

Professora Arquiteta Paisagista Universidade de Lisboa

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