Livros: o bom, o mau e o vilão
Hoje é o dia do livro português, uma data comemorativa criada pela Sociedade Portuguesa de Autores com o intuito de destacar a importância da escrita na nossa língua mãe. Uma boa razão para refletir sobre três notícias sobre livros que por estes dias andaram pelos média. Quis também a ironia do destino que ontem eu próprio me tenha juntado ao clube dos autores portugueses, com uma estreia na literatura de ficção.
Há 536 anos, imprimiu-se o primeiro livro em Portugal, mais concretamente nas oficinas do judeu Samuel Gacon, perto de Faro. A obra dava pelo nome de Pentateuco e foi escrita em hebraico. A data escolhida para o nosso dia do livro celebra justamente esta primeira edição, embora só dez anos depois, no Porto, Rodrigo Álvares tenha imprimido Constituições que fez o Senhor Dom Diogo de Sousa, Bispo do Porto, que viria a ser o primeiro livro escrito em português.
Nestes cinco séculos, a história do livro demonstrou até à exaustão a mais sagrada máxima da literatura: a escrita reclama a leitura, sem a qual é vazia de sentido. E, nesse particular, Portugal tem ainda um caminho para fazer. No ano passado, um inquérito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa revelou que, nos 12 meses anteriores, 61% dos portugueses não tinham lido um único livro em papel. Mais, dos 39% que afirmavam ter lido, a maioria leu pouco.
A boa notícia é que, ao contrário do que aconteceu em grande parte da Europa, as vendas de livros no nosso país cresceram, e bem, no ano de 2022. Foram mais 16,2% em receitas e 12,8% em unidades vendidas, segundo a consultora GfK, que analisou uma amostra de oito países, incluindo grandes mercados. Portugal destacou-se pela positiva, atingindo um crescimento que não se observava desde 2006.
A segunda notícia é bem menos positiva. Todos recordamos a série de livros Os Cinco, com a qual muitos de nós cresceram. A sua autora, Enid Blyton, que faleceu em 1968, começou a escrever a série nos anos 40 do século passado. Soubemos agora que decorre no Reino Unido -- concretamente em Devon -- um processo de censura da obra da Blyton. Os Cinco -- e não só -- estão a ser escondidos nas livrarias, nalguns casos em áreas vedadas ao público, e a ser objeto de revisão de forma a "atualizar" expressões classificadas como xenófobas, racistas ou machistas.
É preocupante o que está a acontecer. Poderíamos sempre disputar as alegações que motivam o revisionismo, mas esse seria um exercício que morreria na contextualização histórica. Os livros são datados e têm uma autora. Gosta-se ou não, lê-se ou não, mas não se adultera. O objetivo da editora de tornar a coleção "intemporal" é absurdo, pois pressupõe que tenha descoberto uma bola de cristal para ler o futuro e o confrontar com o passado. À cautela, há um par de anos, quando andava pela África do Sul numa prova de ciclismo, encontrei uma coleção completa, na versão inglesa e com as capas originais, de The Famous Five. Claro que a comprei e hoje está na prateleira do quarto do meu filho.
Fecho com uma bela -- mas perigosa -- história. Entre 2016 e 2022, um italiano de nome Bernardini fez-se passar por editor e agente para ter acesso a muitas centenas de manuscritos originais de escritores, incluindo alguns de renome. Foi descoberto e julgado nos EUA. Declarou-se culpado, mas ficou provado que apenas o fez por amor aos livros e à literatura, nunca tendo vendido ou divulgado as obras. Livrou-se da prisão!
Professor catedrático