Lisboa vs. Sintra e outros: filho e enteados no acesso a serviços hospitalares

Publicado a
Atualizado a

Em 2019, a população do concelho de Lisboa era de 509 515 pessoas (563 312 em 2001); a do concelho de Sintra (onde resido) era de 391 402 pessoas (363 575 em 2001). A tendência é clara - a população residente em Lisboa está a diminuir, enquanto a de Sintra está a aumentar.

Os dados do poder de compra per capita mostram que, em 2017, Lisboa tinha um valor de 219,6 (220,2 em 2002), enquanto Sintra tinha um valor de 94,1 (128,6 em 2002).
No que respeita a unidades hospitalares, em 2019 Lisboa tem 33, ao passo que Sintra tem um. Se excluirmos os do setor privado, Lisboa tem 17 hospitais e Sintra tem 0 (zero, não é erro), dados da Pordata.

Aliás, se considerarmos os números de toda a Área Metropolitana de Lisboa (AML), Lisboa (com apenas 17,7% dos 2 863 272 residentes nesta AML) tem 17 dos 28 hospitais oficiais (não privados). Oeiras e Setúbal têm dois, alguns concelhos têm um e a maioria não tem nenhum. Loures, com 212 523 habitantes, tem um (Pordata). Como se pode ver, em vista das populações respetivas, o município de Lisboa, comparativamente com outros municípios da AML, beneficia de recursos de saúde completamente desproporcionais, enquanto o concelho de Sintra é claramente prejudicado.

Cruzando os dados dos números de hospitais com os do poder de compra, a injustiça social subjacente é ainda mais gritante - pessoas mais pobres são votadas ao abandono pelo SNS em termos de assistência hospitalar. Infelizmente nada disto é minimamente compensado, seja com hospitais privados (apenas existe o Hospital CUF Sintra, em Mem Martins), seja com o Serviço de Urgência Básica de Mem Martins (que é mesmo básica, não tendo condições para fazer urgências, diagnóstico ou cirurgia ambulatória), seja com centros de saúde com o mínimo de qualidade (conheço vários - são pardieiros sem recursos e mal geridos).

A situação é tanto mais deplorável quanto as elites de Lisboa nem parecem dar-se conta da situação gerada. Quando apontei a um dirigente lisboeta a inexistência de hospitais públicos em Sintra, disse-me: "Isso não é verdade, vocês têm o Amadora-Sintra!" Ao que lhe retorqui que já antes tínhamos tido o Santa Maria-Sintra. Foi preciso relembrar-lhe que "o hospital Amadora-Sintra fica no concelho da Amadora" para que percebesse...

Entretanto, o hospital de proximidade de sintra parece finalmente ir por diante atenta a menção feita no Orçamento de Estado para 2021. O município disponibilizou (há anos!) o terreno e custeará a empreitada no valor de 40 milhões. O Ministério da Saúde custeará a aquisição, a instalação do equipamento e o seu funcionamento, no valor de 25 milhões. É um pequeno hospital, com apenas 60 camas, feito já a pensar na sua expansão para 180, mas é melhor do que nada. Entretanto, o mesmo Orçamento prevê o novo Hospital de Lisboa Oriental com um custo estimado de 470 milhões...

Se é vero que a existência de massa crítica mínima e economias de escala nunca permitirão hospitais razoavelmente dimensionados em todos os concelhos, o histórico da oferta hospitalar na AML mostra que, para os sucessivos governos - entidade competente nesta matéria -, Lisboa é, desde há muito, um filho dileto, enquanto outros - Sintra, Loures, Cascais, Oeiras - são enteados.


Consultor financeiro e business developer
www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt