Lisboa tem de ser para todos

No dia em que o governo anunciou, após a consulta pública, o pacote "Mais Habitação", Carlos Moedas entendeu participar na manifestação dos promotores de Alojamento Local. Aí, como habitual, disse o que estes empresários queriam ouvir, em contradição com o que está a negociar com as Juntas de Freguesia, onde a questão se coloca sobre a "intensidade" da limitação de AL na cidade e não sobre a sua liberalização. É Moedas no seu melhor. Diz o que as pessoas querem ouvir, mesmo que sobre o mesmo assunto, se a plateia for diferente, diga o contrário.

Ao anunciar, com grande candura, quartos para estudantes entre 700 e 1100€/mês, não restam dúvidas de que para o Presidente da Câmara, no fundo, Lisboa não é para todos, mas sim para os endinheirados e para os estrangeiros que paguem pelas casas os preços absurdos que hoje são praticados. É este modelo de cidade -- uma cidade só para alguns, uma cidade de condomínios fechados -- que poderá agora ser revertido.

Vejamos se a anunciada indisponibilidade de Moedas para aceitar aplicar em Lisboa as medidas do "Mais Habitação" permanecerá, agora que o governo, e bem, decidiu corrigir a proposta inicial, devolvendo aos municípios acompetência de limitação do Alojamento Local.

O novo pacote terá o enorme "pecado" de atentar contra a propriedade privada, disse Moedas, ignorando que esta possibilidade foi consagrada ainda nos tempos de Cavaco e Passos Coelho. Mas julgo que não é essa a verdadeira preocupação de Moedas. O que verdadeiramente o preocupará é o facto deste pacote poder vir a condicionar os preços especulativos de venda e de arrendamento.
Moedas foi, profissionalmente, representante de um fundo imobiliário. Não tem mal nenhum. Porém, o que fizeram estes fundos em Lisboa? Sim, recuperaram uma componente muito significativa do edificado antigo, mas na lógica da máxima recuperação dos investimentos, naturalmente incompatíveis com qualquer complacência para com os residentes dos prédios ou bairros onde investiram intensamente.

Transformaram as habitações em ativos financeiros, mercadoria para rentabilizar a curto prazo, pelo que quem lá estivesse a morar representava um obstáculo. Beneficiando da abertura que a "Lei Cristas/Passos Coelho" permitiu, alguns milhares de cidadãos foram empurrados para fora das suas casas e os bairros paulatinamente transformados em aldeamentos turísticos.

Globalmente, o resultado final do "Mais Habitação" corresponde às minhas expetativas enquanto Presidente de Junta. Tem o mérito de facilitar a colocação de habitações no mercado de arrendamento acessível quase de imediato -- neste momento há milhares de famílias em lista de espera sem qualquer horizonte de esperança --, tem fortes incentivos fiscais aos proprietários que apostem no arrendamento de longa duração e possibilita uma intervenção do Estado e da Câmara no sentido de combater os "fogos especulativos". Facilita os licenciamentos de novas construções e bonifica os cidadãos que, por perda de rendimentos, passaram a ter enormes dificuldades em cumprir com os arrendatários ou os bancos.

Claro que o seu sucesso dependerá em muito do empenho dos municípios e aí Carlos Moedas terá um grande desafio: ou honra o seu passado de agente especulativo enquanto administrador de fundos imobiliários ou assume as suas responsabilidades de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, cidade em gentrificação acelerada.


Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior

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