Lisboa segura e resiliente na era da Cidade como Serviço

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As cidades estão em grande transformação, enquanto se afirmam como agentes globais, motores económicos e culturais susceptíveis a novas dinâmicas demográficas e climáticas. É nas autarquias, gestoras das cidades, que os residentes, agentes económicos e visitantes confiam serviços críticos de proximidade, da saúde aos transportes, o que nos permite reimaginar a cidade como um prestador integrado de serviços, uma visão da “Cidade como Serviço” (City as a Service / CaaS).  

Na Cidade como Serviço, sistemas inteligentes orquestram, de forma invisível para o cidadão, uma complexa multitude de operações, dispositivos físicos e infra-estruturas críticas, de forma a garantir a resposta às necessidades de cada um de nós, enquanto, em simultâneo, se garante a eficiência de todo o ecossistema urbano. A adaptação da cidade enquanto agente vivo às mudanças e aos eventos pontuais e a resiliência são absolutamente determinantes, não meros chavões, e têm na IA um catalisador.  

Lisboa, capital e centro nevrálgico de decisão, não é excepção. O recente apagão de abril expôs a necessidade de sistemas de segurança e protecção civil robustos, integrados e tecnologicamente avançados. Garantir a segurança e a qualidade de vida numa capital cosmopolita, que atrai residentes, turistas e investidores, exige inovação, tecnologia e inteligência ao serviço de bons processos e coordenação institucional e operacional.  

No contexto da proteção civil, isto significa criar um elemento centralizador que conecte bombeiros, polícia, serviços médicos, transportes, autarquias e cidadãos, utilizando tecnologia para antecipar, responder e adaptar a cidade a crises. Cidades como Singapura, Barcelona ou Roterdão operam já como plataformas integradas. Sensores distribuídos em infra-estruturas críticas, como pontes, barragens e redes eléctricas, permitem monitorizar sistemas em tempo real, detetar anomalias e espoletar reações. Modelos baseados em AI estimam, em segundos, o impacto de um evento climatérico extremo ou a propagação de uma epidemia, criando cenários e ajudando a colocar e gerir meios.  

Singapura utiliza massivamente a tecnologia de Digital Twins para planear respostas a desastres, simulando o impacto nas redes de transporte, fornecimento de água e energia, permitindo direccionar recursos e meios no terreno para áreas mais afectadas. Na Califórnia, bombeiros equipados com tecnologia de realidade aumentada – augmented person - podem visualizar o melhor posicionamento e intervenção no terreno. Wearables monitorizam sinais vitais e níveis de exaustão. No Japão, fortemente fustigado pelo tsunami de 2011, o Earthquake Early Warning System antecipa o impacto de sismos e tsunamis. Robôs e drones equipados com câmaras térmicas e sensores podem ser enviados a áreas de difícil acesso, como zonas de deslizamentos de terra, para localizar sobreviventes e transportar recursos médicos. 

No entanto, apesar do que a tecnologia coloca ao dispor, a imensa diversidade de actores e responsabilidades dificulta a coordenação durante crises. A fragmentação de sistemas levanta desafios de interoperabilidade e a dependência de sistemas digitais e de uma imensidão de dispositivos conectados aumentam a exposição a ciberataques e falhas de infraestrutura, que devem ser prevenidas, sem descurar a privacidade e direitos dos cidadãos. 

Hoje, Lisboa tem capacidade técnica e institucional nos seus serviços de protecção civil e bombeiros, mas ainda vive uma estrutura altamente fragmentada (mais de 12 entidades com responsabilidades em emergência urbana), com baixa interoperabilidade digital e dependente de infraestruturas vulneráveis (redes de telecomunicações, mobilidade e energia). Os serviços relacionados com a Proteção Civil respondem a mais de 3.000 ocorrências por ano, com destaque para fenómenos extremos (inundações, incêndios, colapsos), cuja frequência e intensidade tem vindo a aumentar. 

Construir sistemas resilientes e preditivos baseados em tecnologia e IA, quando os ciclos tecnológicos estão cada vez mais curtos, começa a montante. Organização, processos bem desenhados e mecanismos de coordenação são essenciais para tornar uma rede de proteção civil com múltiplos atores operando em silos – bombeiros, polícia, juntas de freguesia, serviços de saúde, transportes – num ecossistema eficaz, antes de “atirar tecnologia para o problema”. Depois, garantir a interoperabilidade e integração entre diferentes sistemas e entidades, agregando dados de IoT e informações de campo em modelos avançados. Caminhar para representações digitais da cidade num amplo Digital Twin e para coordenação e despacho reforçados por AI permitirá trabalhar estes modelos, antecipar cenários e coordenar acções em tempo real e de forma preditiva, envolvendo estas forças e as próprias comunidades locais.  

Num momento em que Portugal atrai cada vez mais novos residentes, visitantes e investidores, retomando o passado cosmopolita da era dos Descobrimentos, é essencial intensificar os investimentos em inovação e I&D que permitam liderar a próxima geração de cidades inteligentes, mobilizando políticas públicas, empresas e sociedade civil em torno de um futuro mais seguro e sustentável para todos. Lisboa tem o potencial e a legitimidade para se tornar a capital da proteção civil inteligente na Península Ibérica. Ao adotar o paradigma da “Cidade como Serviço”, a proteção civil deixa de ser apenas um mecanismo de reação — passa a ser um sistema vivo, integrado, preditivo e confiável. 

General Manager da Unidade de Negócios da Mobilidade e Transportes na Axians

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