Lições de Paris

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Paris, 26 de março de 2024. No centro de congressos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), líderes e especialistas de todo o mundo reuniam-se para o 2024 OECD Global Anti-Corruption & Integrity Forum. Na agenda encontrar-se-iam vários tópicos, nomeadamente, os desafios emergentes na persecução de estratégias de integridade e combate à corrupção: a crescente interferência estrangeira, o avanço da inteligência artificial e a transição ecológica. Não obstante, e sem desprimor para o 25º aniversário da Convenção sobre a Luta contra a Corrupção de Agentes Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais que também se celebrava nessa ocasião, era a publicação inaugural da OCDE sobre anticorrupção e integridade que promovia o burburinho presente na sala. Foi, então, que com o mundo de olhos postos neste lançamento, o nome de Portugal surge... como exemplo das consequências da falta de integridade no setor público.

Confesso não saber se estariam outros portugueses na sala (talvez o representante português junto desta organização, ou a subdiretora-geral do Tribunal de Contas, que também esteve em Paris por estes dias), mas, se em Álvaro de Campos cabiam “todos os sonhos do mundo”, em mim cabia toda a vergonha de uma nação. Felizmente, o embaraço foi momentâneo, porém, a preocupação persiste. Noto, aliás, que esta é uma preocupação persistente, crescente e generalizada da população portuguesa, como evidenciou um estudo da Universidade Católica para o Público, Antena 1 e RTP, em julho de 2023. Afinal, considerando a ameaça e os prejuízos que o fenómeno representa para o Estado de direito, a justiça social e o desenvolvimento económico, o que seria de esperar?

Valorizo, por isso, o ímpeto do Governo recém-empossado de criar sinergias entre “todos os partidos com assento parlamentar, agentes do setor e sociedade civil com vista a promover a aprovação célere de uma agenda ambiciosa, eficaz e consensual de combate à corrupção”. Contudo, se – como creio – os objetivos são contribuir para o combate eficaz ao fenómeno e, simultaneamente, retirar o monopólio retórico ao partido de André Ventura, será preciso muito mais do que uma mera agenda consensual. Isto porque: i) planeamento e regulamentação não são sinónimos de implementação e eficácia (como veremos); e ii) certamente que um sexto pacote consensual falhado entre PS e PSD (em menos de duas décadas) será capitalizado pelo Chega.
Assim, sugiro, vivamente, que tanto o novo Primeiro-Ministro, como a nova ministra da Justiça, dediquem algum tempo a retirar as devidas conclusões desta publicação recente da OCDE – que, embora imperfeita, se revela um bom ponto de partida. Sem prejuízo que o façam (quero acreditar que o farão), gostaria de ressalvar as conclusões que considero mais alarmantes, mas que, simultaneamente, poderão contribuir para melhorias nestas matérias.

Primeiramente, lembram-se de ter referido que planeamento e regulamentação não eram sinónimos de implementação e eficácia? Ora, a primeira conclusão que ressalvo desta publicação é que, em média, os países da OCDE atingem quase dois terços (61%) dos critérios normalizados (vulgo “objetivos”) para a regulamentação, mas não implementam nem metade (apenas 44%). Por outras palavras, os efeitos pretendidos dos quadros legislativos e regulamentares não estão a ser concretizados, o que dificulta a capacidade dos países para mitigar eficazmente os riscos de corrupção. Mais, nota-se algo para o qual tenho procurado alertar relativamente à atual e, sobretudo, futuras Estratégias Nacionais Anticorrupção: não estamos a recolher dados e informações que nos permitam fazer a monitorização do processo de implementação, inclusive, o que foi – ou não – alcançado.

Outro aspeto a notar será a ausência de acompanhamento das atividades dos ex-titulares de cargos públicos, o que dificulta assegurar o cumprimento das regras das portas giratórias – recordo o caso recente de uma ex-secretária de Estado que apenas rejeita o convite para trabalhar numa empresa que beneficiou enquanto governante após duras críticas dos Chefes de Estado e do Governo. Deste modo, nota-se ainda que as sanções por incumprimento raramente são aplicadas. Novamente, digo: o combate à corrupção só é eficaz quando se verifica, efetivamente, regulamentação, fiscalização e sanção. Basta que apenas uma dessas etapas fique por cumprir para que os esforços se tornem ineficazes e a impunidade prevaleça.
Por fim, denoto a menção relativa à carência de procedimentos padrão de auditoria interna e controlo interno que sejam aplicáveis de forma transversal na administração pública, assim como o facto de apenas 39% das entidades públicas terem sido auditadas nos últimos cinco anos. Ainda assim, a maior advertência deve-se à ausência total de regulamentação da representação de interesses (vulgo “lobbying”) que, segundo a OCDE, apenas aumenta os riscos de corrupção e em nada melhora o processo de elaboração de políticas públicas, ao invés de ter os efeitos contrários.

Com maior ou menor intensidade de casos a aparecerem na esfera mediática, este será um tema que continuará a dar pano para mangas. Mais, será decisivo na avaliação que os eleitores farão ao Governo – para o bem e para o mal – e, claro, para o futuro a curto prazo do país. Aguardemos, então, com expectativa, dispostos a colaborar, mas atentos, porque a única lição parisiense que parece querer entrar é a do laissez faire, laissez passer.

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