Lições aprendidas sobre o "ataque terrorista" que não aconteceu

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No dia 10 de fevereiro de 2022, a Polícia Judiciária (PJ) comunicou ter impedido uma "ação terrorista" na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, detendo João Carreira, um estudante de 18 anos com síndrome de Asperger, que planeava o alegado ataque para o dia seguinte. Em julho, o Ministério Público acusou-o da "prática de dois crimes de terrorismo, um na forma tentada e outro pelo crime de detenção de arma proibida". Em outubro inicia-se o julgamento e a 19 de dezembro conhece-se a sentença. João foi absolvido dos crimes de terrorismo, sendo condenado a uma pena de dois anos e nove meses por detenção de arma proibida, a ser cumprida num "estabelecimento destinado a inimputáveis".

Assinalando o primeiro ano deste caso, que "lições" podemos retirar? Destacamos cinco aspetos, que incidem sobre diversas questões que foram abordadas desde a sua divulgação pública:

1. Este caso não é um "ataque terrorista", mas ficará recordado como tal. Por um lado, não é um ataque terrorista porque o jovem foi absolvido e porque o terrorismo tem sempre motivações políticas, as quais nunca existiram nas intenções do João (apesar de algumas declarações ambíguas). Por outro lado, é um caso que vai ficar associado ao terrorismo pelo tratamento público que recebeu, quer por parte da PJ quer da comunicação social portuguesa.

No âmbito da PJ, a decisão em classificar o caso como "ação terrorista" é discutível desde o princípio, a qual nos suscitou várias dúvidas. Porém, pode ser compreendida à luz da Lei de Combate ao Terrorismo (Lei 52/2003, de 22 de agosto), considerando as infrações relativas ao "crime de terrorismo". Não obstante a terminologia, a detenção do João foi acertada: se existem determinados indícios, a atuação antecipatória é sempre o melhor princípio de proteção. Por isso as forças e serviços de segurança, com destaque para a PJ, devem ser objeto de reconhecimento.

2. Este caso revela a importância e a necessidade da partilha de informações. Nenhum país pode fazer face aos desafios globais de forma unilateral. A cooperação internacional e interoperacional é essencial na contenção das várias ameaças à segurança, de que o terrorismo é exemplo. A denúncia feita ao FBI e o posterior alerta desta agência à PJ revelou uma boa cooperação entre as autoridades norte-americanas e portuguesas. O objetivo é comum: a segurança e a proteção de todos.

3. Portugal não é imune ao terrorismo, nem a qualquer outra ameaça securitária que afeta o espaço europeu. Estando enquadrado neste espaço geográfico e sendo Estado-membro da União Europeia (UE), os desafios que impendem sobre o país são semelhantes. No âmbito da ameaça terrorista existem fatores de risco que importa monitorizar.

4. A saúde mental e o terrorismo têm uma relação complexa e ambígua. Um terrorista não é um louco: pelo contrário, é um ator racional, que faz uma escolha deliberada, cuidadosamente planeada. No entanto, existem casos ambíguos. Alguns indivíduos, tais como os designados "atores solitários" - isto é, pessoas que operam de forma isolada e não têm ligações a um grupo terrorista - sofrem de problemas mentais e, simultaneamente, sentem-se motivados para praticar atos violentos. Esta ambiguidade dificulta a identificação do motivo para a violência terrorista, a possível detenção do indivíduo e respetiva criminalização.

5. O alarmismo é inimigo da segurança. A gestão comunicacional sobre este caso foi muito problemática, tanto por parte da PJ como da comunicação social portuguesa (OCS).

No caso da PJ, não se compreendeu a necessidade de divulgação pública, sobretudo na véspera do alegado ataque. Em declarações para a comunicação social, alguns pais referiram que os filhos tiveram medo de ir à Faculdade de Ciências no dia 11 de fevereiro. Note-se, porém, que não se conhece o motivo da divulgação: surgiram na imprensa diversas hipóteses, incluindo uma possível fuga de informação, que nunca foi confirmada. Além disso, reconhece-se a dificuldade em tomar este tipo de decisões perante uma possível ameaça iminente. A decisão em divulgar uma tentativa de ataque é sempre um assunto muito sensível, que requer uma gestão cautelosa da perceção pública.

No caso dos OCS, não fizeram uma boa gestão da informação, preferindo noticiar com base no alarmismo: a necessidade de elaborar uma manchete apelativa não se pode sobrepor à dignidade humana. Os OCS são importantes, mas quando a cobertura mediática é excessiva - isto é, tudo o que contribui para a glorificação do acontecimento, incluindo semanas de reportagem e a exploração dramática das vítimas - gera-se um efeito contraproducente e perigoso, além de ser desrespeitoso.

No âmbito do terrorismo, essa comunicação é vantajosa para o terrorista, dando visibilidade aos seus propósitos, amplificando o medo, a insegurança, o pânico e o caos. Seguindo as indicações das Nações Unidas, a questão crucial para os mass media é sobretudo saber "como" divulgar a informação, tendo presente que o terrorismo alimenta-se da visibilidade mediática. A liberdade de informação é fundamental, mas não é uma "liberdade absoluta": deve respeitar os direitos humanos e ser fiel aos acontecimentos.

Doutoranda em História, Estudos de Segurança e Defesa no ISCTE.
Investigadora em terrorismo e contraterrorismo.

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