Liberdade e autoridade
Por duas vezes nestas últimas semanas fomos confrontados com situações de maltrato a espectadores em estádios de futebol.
E foi no Porto, foi no Estoril, mas poderia ter sido em qualquer estádio do país, pois o que se passa é que assistir a um jogo de futebol, programa tradicional de família num domingo à tarde, tornou-se numa visita a um campo de batalha em que ninguém respeita ninguém e em que são valentes aqueles maltratam os seus concidadãos.
Começou por ser um assunto de claques em que um grupo de apoiantes de um clube de futebol considerava ser o seu papel amedrontar, insultar e agredir qualquer um que tivesse a ousadia de ter como clube um seu rival.
E os clubes apoiaram-nos de tal forma que estes grupos se foram formando como verdadeiros exércitos em que tudo lhes foi permitido, a bem de mostrar que cada clube tinha um grupo de alienados pior que os seus competidores, passando a ser normal que os cidadãos fossem confrontados com um enorme perigo de segurança e até de vida, por querer ir ver um jogo de futebol.
E morreram pessoas.
A morte de um adepto no Estádio Nacional deveria ter sido alerta suficiente para que a autoridade neste país tomasse conta do tema.
Pelo contrário, em vez de tomar uma atitude que eliminasse esta anormalidade social, as instituições policiais foram convidadas a entrar na contenda, não através de uma participação na luta entre os rivais, mas estruturando formas de manter esses grupos afastados e controlados enquanto se dirigem aos estádios e quando deles saem.
Ora, como bem sabemos, o mal não se resolve dando-lhe carinho e acompanhamento.
Como qualquer vírus, a solução da doença passa pela sua erradicação.
Há uma enorme confusão nos responsáveis do nosso país sobre o que é ser democrático e tolerante e o que é ser irresponsável e permissivo.
A democracia e a tolerância não preconizam a liberdade de destruir.
Considera-se sempre que ser livre é ser responsável e que só é democrata quem se propõe servir a sociedade e não se servir da sociedade.
Pois estes grupos, perigosos e desrespeitadores das liberdades do cidadão comum, que ficam à sua mercê, apenas existem para servir os interesses de dirigentes desportivos, garantindo a sua manutenção no posto e provocando o medo a quem os queira confrontar.
E serve também a muitos criminosos que utilizam estes grupos como disfarce da sua vida fora da lei e que neles encontram candidatos para os seguirem nessas vidas.
Ir ao futebol era e devia continuar a ser o mesmo divertimento que ir ao cinema, ao jardim zoológico, à praia ou ao teatro.
A fraca capacidade de exercer a autoridade não é um exercício de democracia, é apenas incompetência e impreparação dos responsáveis para desempenhar o cargo que detêm.
E isso tem sido o pior que tem acontecido à nossa democracia, a fraqueza das lideranças que condicionam o nosso desenvolvimento, e que não têm qualquer ideia ou conhecimento de como se faz uma sociedade forte, responsável e saudável, onde valeria a pena viver e que também nos permitiria assistir tranquilamente a um jogo de futebol.