Liberalismo: a política como projeto pessoal

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Há algo de profundamente revelador na forma como os arautos do liberalismo abandonam o barco quando o mar se agita. Nos Estados Unidos, Elon Musk foi aclamado como um símbolo da nova ordem empreendedora. Um “visionário” que acreditava que o Estado era, na melhor das hipóteses, um estorvo, e que o mercado se bastava a si mesmo. Surpreendentemente, aceitou o convite de Donald Trump para integrar a administração federal. Mas, quando os ventos da política mudaram, com a guerra das tarifas alfandegárias de Donald Trump a afetar diretamente a Tesla, Musk não escondeu o desconforto, acabando por abandonar a Casa Branca, com críticas ao presidente, não sem antes ter dado um bom impulso ao seu projeto de destruição do Estado.

Em Portugal, também assistimos a um episódio de retirada. Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, reeleito por uma maioria significativa há apenas quatro meses, apresentou-se nas legislativas de há quinze dias empunhando a bandeira de um projeto liberal para transformar Portugal. Contudo, apesar de ter aumentado o número de deputados, e sem que nada o fizesse prever, anunciou agora o abandono da liderança do partido. Depois de se ter insinuado de forma mais do que explícita nas duas últimas eleições, terá percebido que o seu projeto pessoal de vir a ser ministro não se iria concretizar. Sai de cena como quem fecha a loja, porque o lucro não compensou o esforço, traindo despudoradamente os seus eleitores.

O que une estas duas figuras, separadas por oceanos, mas irmanadas por uma ideologia, é a crença dogmática de que a sociedade é apenas a soma de vontades individuais. Um liberalismo que despreza o papel do Estado, ignora o peso das estruturas sociais e reduz a pobreza a uma simples falta de empenho. Para Musk, como para Rocha, os pobres são os que não se esforçaram o suficiente, os que não inovaram, os que não souberam “criar valor”. A desigualdade é, na sua visão, um produto natural da meritocracia - não um problema a corrigir, mas uma prova de que o sistema funciona.

Não espanta, por isso, que muitos liberais vejam em Javier Milei, presidente da Argentina, uma referência. Um homem que empunha uma motosserra como símbolo político, propondo cortes brutais e indiscriminados, como se o Estado fosse uma árvore doente a ser abatida, e não um organismo a ser curado. O problema é que os cortes cegos atingem sempre os mesmos: os mais pobres, os mais vulneráveis, os que não têm almofadas financeiras nem opções de fuga.

Este é o liberalismo que se vende como ousado e reformista, mas que se revela, no fundo, profundamente egoísta. Um projeto político que, quando confrontado com os limites da realidade, vira costas, revelando os limites morais da sua visão. Porque, para esses liberais, o compromisso com a comunidade só dura enquanto os seus interesses pessoais estiverem garantidos. Quando não há prémio, não há jogo.

Professor catedrático

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