La beleza de las lhénguas

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É comum dizer que a palavra “saudade” não tem tradução em outras línguas. De facto, as minhas experiências de tradução automática não devolveram resultados que incluíssem os matizes de significado que lhe associamos. O célebre aforismo italiano “traduttore, traditor” (tradutor, traidor) diz-nos alegremente que não há equivalência entre línguas e, antes, uma transferência que pode retirar ou acrescentar sentido. As línguas carregam em si histórias milenares que se perdem quando desaparecem e, por isso, é cada vez mais reconhecida a importância da sua preservação.

Desde 1999, Portugal tem uma segunda língua oficial - o mirandês - que continua a ser oferecido como disciplina em Miranda do Douro, com elevadas taxas de frequência por parte dos mais novos. É uma língua que se formou a partir do latim, num período anterior à formação de Portugal, na região de Astúrias e Leão, e que sobrevive até hoje entre fronteiras. A sua aprendizagem serve decerto para fortalecer uma identidade própria e reforçar os vínculos entre gerações. Além de estar em curso a criação do Instituto de Língua e Cultura Mirandesa, têm sido desenvolvidos instrumentos digitais, como o tradutor Pertués-Mirandés, que facilmente nos permite navegar entre os dois idiomas.

Hoje, 21 de fevereiro, Dia Internacional da Língua Materna, presto homenagem ao mirandês, nossa outra língua oficial, e a todas as línguas originárias que estão em desaparecimento porque deixaram de ser faladas ou são utilizadas por grupos muito restritos. Assim vamos perdendo o valor da diversidade e o património cultural e científico que essas línguas transportam.

Vale a pena enunciar a origem deste dia internacional instituído pela UNESCO em 1999 (o mesmo ano em que o mirandês foi reconhecido como língua cooficial de Portugal).

A história remonta ao célebre minuto zero de 15 de agosto de 1947, contado de forma magistral por Salman Rushdie em Os Filhos da Meia-Noite, quando o Governo britânico transfere a soberania para a Índia e o Paquistão, que passam a dois Estados independentes. Na altura, o Paquistão impôs o urdu como língua única, ignorando o bengali, falado pela maioria do Paquistão Oriental (atual Bangladesh). Os protestos tiveram o seu momento mais dramático a 21 de fevereiro de 1952, quando a polícia abriu fogo e morreram vários manifestantes conhecidos como Mártires da Língua. Depois da independência, em 1971, esse dia passou a feriado nacional e, na sequência de várias tentativas, foi reconhecido como Dia Internacional da Língua Materna.

Ao mesmo tempo que parece inevitável a tendência para uma língua única (e um pensamento igualmente único), existe um reconhecimento cada vez maior, nomeadamente por parte dos especialistas em Educação, da importância da diversidade linguística e de um ensino/aprendizagem que reconheça os contextos multilingues. A língua materna influencia a forma como pensamos e processamos a informação pelo que pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico e da expressão individual. É também uma forma de empoderamento, o que não contradiz a necessidade de aprendermos várias línguas e, através delas, acedermos a diferentes visões do mundo.

A internet pode ser um importante meio de salvaguarda das línguas maternas, não só porque permite uma comunicação de proximidade (nas redes sociais, tendemos a utilizar as línguas que melhor dominamos e nos são mais familiares), como por disponibilizar ferramentas educativas para aprendizagem de línguas e em línguas maternas.

Neste dia, a OEI lança o Relatório sobre Línguas Indígenas no Mundo Digital, em que se apresenta um inventário do que foi possível identificar, mas também assinala carências. O levantamento identifica 5500 recursos linguísticos digitais para as línguas indígenas ibero-americanas, número muito baixo para os cerca de 800 diferentes idiomas, assinalando a grande disparidade entre países e línguas.

A presença das línguas no espaço digital, e consequente repercussão na Inteligência Artificial, decidirá o futuro das línguas e a matriz de pensamento que as conformará. Trata-se de uma tarefa que não pode ser levada a cabo de forma individual, grupal ou até nacional. O multilinguismo não é um motivo decorativo, mas uma forma de preservar a diversidade de pensamento, a capacidade criativa e até o diálogo com as máquinas. As políticas linguísticas são, pois, um território de todos nós porque dele depende o lugar que alcançaremos no mundo.

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