‘King and country’
No momento em que escrevo estas linhas, o rei Carlos III encontra-se em solo canadiano, mas ainda não apresentou o seu tão aguardado discurso de abertura da 45.ª sessão do Parlamento. O convite para a acção solene partiu do recém-eleito primeiro-ministro, Mark Carney, que centrou a sua campanha na defesa da soberania do Canadá, face às ameaças contínuas de Donald Trump, que já por diversas vezes se referiu ao Canadá como o “51.º estado” dos Estados Unidos da América.
Carney chegou a responder ao presidente norte-americano que o país nunca estará à venda. Num momento tão crítico entre ambos, incluindo a tensão após o aumento das tarifas, a presença do chefe de Estado, Carlos III, é mais do que simbólica: é fundamental.
A rainha Isabel II fez por duas vezes a abertura do Parlamento canadiano: em 1957 e em 1977. Esta última vez coincidiu com o ano do seu Jubileu de Prata. Mas não foi essa a principal razão para endereçar o discurso de abertura. Poucos meses antes, René Lévesque, voz activa dos separatistas franceses do Quebeque, defendia a independência política desde Novembro de 1976. O discurso da rainha foi fundamental para calar essas vozes, reforçando a união do país, invocando o orgulho nacional e a importância da multiculturalidade canadiana, sublinhando que o progresso e os sucessos do Canadá foram o resultado da união dos povos e que a confederação não era uma ideia britânica ou francesa, mas conjunta.
Agora, espera-se que a mensagem de Carlos III não seja muito diferente, mas com um foco fora do país: a relação entre a Grã-Bretanha e o Canadá, bem como a simbólica união personificada no rei, será uma forma de pressão diplomática aos olhos de Trump para respeitar o espaço político e económico canadiano. Com um convite feito em Fevereiro por Keir Starmer, na sua ida à Casa Branca em Fevereiro, para Trump voltar à Grã-Bretanha numa visita oficial, a situação delicada canadiana beneficiará da atitude soberana e diplomática do rei.
A conjuntura é delicada, principalmente quando o primeiro-ministro britânico, no convite, tinha em vista um compromisso mais sólido de Trump relativo à situação da Ucrânia. Um xadrez político difícil. Mas que Carlos III saberá, com certeza, resolver.
Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico