Justiça ou falta dela?
Todos os dias ajudamos a construir Portugal e cada um no seu sítio dá o seu melhor.
Assim vejo o país. Dia a dia e ano após ano em sucessivas melhorias. Há porém uma tensão no ar. O medo instala-se e é caso para perguntar: estaremos todos a ser escutados? E um artista? Deve falar e abrir a boca ou simplesmente ser um “ poeta “, caladinho, a ver se não te cancelam discretamente? Respeitinho! Ouviste?
Devemos ter medo por falarmos dos problemas da Justiça? Seremos perseguidos ou castigados por isso?
Quem lê alguns artigos em que se lança uma nebulosa sobre todos nós, os assinantes do Manifesto, de que estaremos a proteger os corruptos e os poderosos e de que queremos o fim da independência da Justiça, leva-me a escrever este texto.
Celebram-se neste ano 50 anos de Democracia. É tempo de balanço e ponto de situação. São muitas as conquistas que definem aquilo a que chamamos regime democrático: Liberdade, Partidos, Eleições, Direito ao voto, a Escola Pública e a Educação. E uma prerrogativa que se destaca – o nosso SNS, quase um luxo, a assegurar o acesso de todos à Saúde e a certeza de que somos protegidos de igual modo.
A Pobreza, os salários baixos, a precariedade, a Justiça, estão, em minha opinião, nas traseiras da Democracia. O 25 de Abril ainda não chegou a alguns sectores, nomeadamente à Justiça. Assinei o manifesto pela razão óbvia de que uma reforma deste sector pode equivaler a fazer Justiça ao SNS.
Imaginemos então um SNJ – Serviço Nacional de Justiça, o que pressupõe o acesso universal e preferencialmente gratuito à Justiça. A Justiça é tão cara que de facto só os mais ricos podem lidar com ela.
A morosidade e o arrastamento de muitos processos são compensados pela sentença prematura da condenação mediática sem qualquer direito à presunção de inocência.
O atropelamento às liberdades e garantias dos cidadãos pela indústria lucrativa da fuga ao segredo de justiça, mascarada numa aparente vingança dos mais pobres aos mais ricos, torna legítimo pensar que a frustração de quem não obtém provas é compensada pelo enxovalho e apedrejamento na praça pública.
É essa a superioridade moral que alguns apregoam?
Será exagero pensar assim? Somos levados a isso, tal é o silêncio e a falta de comunicação credível e oficial.
Esperamos agora que o novo Procurador indigitado, a quem desejo sucesso, esteja ao nível dos desafios que se apresentam e que comunique com os portugueses, que nos diga ao que vem e o que pretende fazer em relação à fuga do segredo Justiça e, consequentemente, à cadeia alimentar de todo o negócio da informação. Porque uma coisa é certa, se algum dia a independência do MP estiver em perigo, sairemos todos à rua em sua defesa.
Certo dia fui convidado pela procuradoria, no tempo da Joana Marques Vidal, a cantar algumas canções no átrio da PGR. As portas estavam abertas ao povo e a luz entrava radiante e batia docemente na cara dos funcionários ali presentes. Cantámos em coro alguns refrões e no momento verbalizei o quanto aquele ato simbolizava uma Justiça transparente e aberta à população. Deis os parabéns a J.M.V. e a todos os presentes.
Defendo que ser revolucionário aos dias de hoje e à luz dos valores e causas que me fizeram lutar em 72 e 73 contra a guerra colonial e contra o fascismo são as mesmas que me levam a lutar pela defesa da nossa Democracia, Parlamento, Partidos, Saúde, Escola Pública, Informação Plural e Livre e pela Justiça independente, democrática e acessível. É a mesma luta, desta vez em defesa das instituições.
Há um culto do “Eles”, como se sermos “Nós” nos desresponsabilizasse do que se passa nas traseiras da Democracia. Uma espécie de lixo acumulado em zona que é de todos e por isso não é de ninguém. A mentalidade que resistiu ao 25 de Abril e que cheira ao mofo da outra senhora.
Não há “Eles”, afinal o problema está em “Nós”! E os problemas da Justiça são de todos nós. Como tal não entendo o pânico de alguns, provocado pelo nosso Manifesto. Têm medo de quê?
Músico e subscritor do Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça