Javier Milei diz-se libertário, ​​​​​​​mas o que é isso?

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O "Libertarian Party" é dado como o terceiro maior partido nos EUA e foi fundado no início dos Anos 70 por autores que para isso contribuíram como Murray Rothbard ou Ayn Rand nas décadas anteriores. E existe um Rothbard sistematizador da Filosofia Política, mas também o economista da Escola Austríaca, esta fundada no final do Séc. XIX, em Viena, por Carl Menger e onde parte do movimento se inspira como teoria económica. Milei no seu livro El Camino del libertario referencia ambos.

No cerne da sua Filosofia Política está a ideia simples, mas com consequências poderosas, se daí se assumirem todas as consequências, denominada de Axioma da Não-Agressão: é moral e eticamente errado iniciar ou ameaçar iniciar a violência física ou o uso da força contra outra pessoa ou a sua propriedade honesta. Assim, todas as interações entre indivíduos devem ser voluntárias e baseadas no consentimento mútuo ou contratual à luz do Direito Civil. Isso implica que qualquer forma de coerção, fraude ou violência é moralmente condenável. E isso implica a própria ação do agente social Estado - definido como o agente que detém o monopólio da violência num dado território - quando intervém por múltiplas formas quer na economia, quer na ação dos indivíduos.

A Filosofia Libertária defende assim a máxima liberdade individual ("Libertad Carajo"!) e a mínima intervenção pelo Estado. Os defensores do axioma apontam que constitui uma base sólida para a construção de uma sociedade livre, justa e pacífica. Mas não pacifista. O libertário aceita que existem situações em que o uso da violência é justificado, como em casos de autodefesa ou defesa de terceiros e as ações de um Estado para defender a liberdade individual e a integridade de direitos de propriedade honestamente adquiridos e mantidos podem ser vistas como um mal menor. Daí falar-se num Estado Mínimo que assegure a Justiça, a Segurança Interna e Territorial e se abstenha de intervir nas ações espontâneas de cooperação social voluntária e contratual. Decorre então as propostas de privatizações extensas ou de liberdade monetária sem inflação ou ainda de descriminalização de drogas para o qual concorrem argumentos utilitários como o de poder acabar com uma fonte de violência e corrupção. E junta-se ainda a crença na capacidade de organização de sistemas de solidariedade privados e comunitários para o qual um muito baixo nível de impostos ("Imposto É roubo" - não decorre de contratos civis) torna mais possível.

A expressão "libertarian" ou libertário é crescentemente usada um pouco por todo o mundo - sendo mesmo muito corrente nos EUA - para designar posicionamentos específicos de pessoas e políticos mesmo que não associados ao movimento político, como, por exemplo, "sou muito libertário na economia" ou "libertário dos direitos civis", podendo significar a defesa da liberdade de expressão que tem estado sob ataque, a religiosa que inclui a capacidade de se poder evocar essa liberdade para não ser obrigado a prestar serviços ao público que violem determinadas crenças e ainda o conhecido Direito Constitucional à posse de arma de defesa individual, sem colocar de lado que proprietários e comunidades de proprietários (ex.: macro-condomínios) possam dispor outra coisa por acordo civil.

Milei surge no contexto argentino potenciado pela praga social da inflação de preços e uma crescente consciencialização da estagnação a que o intervencionismo económico e social conduz e um discurso antissocialista dirigido às especificidades da América Latina. Quanto ao seu caráter populista vou citar o mesmo Rothbard, acima referenciado, no início dos Anos 90, muito antes do atual panorama, onde é em larga medida uma parte da direita que defende certas conceções libertárias sob ataque de um sistema fossilizado ou à esquerda ou a um certo extremismo ao centro, onde tudo o que está fora é apontado como radical, mas, se calhar, é só por a verdade poder incomodar antes de ser internalizada: "E, portanto, a estratégia adequada deve ser o que podemos chamar de populismo de direita: emocionante, dinâmico, duro e conflituoso, despertando e inspirando não apenas as massas exploradas, mas também a direita, muitas vezes em estado de choque. E os quadros intelectuais também. E, nesta era em que as elites intelectuais e mediáticas são todas do establishment, todas, num sentido profundo, de uma variedade ou outra de social-democracia, todas amargamente hostis a um movimento genuíno, precisamos de um líder dinâmico e carismático que tenha a capacidade de causar um curto-circuito nas elites dos media e alcançar e despertar diretamente as massas. Precisamos de uma liderança que possa alcançar as massas e romper a neblina hermenêutica paralisante e distorcida dessas elites e media."

É assim o apelo ao populismo pelas boas causas, as dos libertários. E Milei despertou-o.

Presidente da Associação Partido Libertário (a associação tem como fim promover o registo de um partido libertário)

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