Jair, o Paralelo

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Mark Zuckerberg mudou o nome da sua multinacional de tecnologia de Facebook para Meta Platforms para explorar a noção dos universos paralelos. A Microsoft e a Intel também já investem milhões no conceito das dimensões alternativas. E a gigante de streaming Netflix combate a crise às custas do sucesso de Stranger Things, série que aborda um mundo invertido.

Não há gigante do Silicon Valley, no entanto, capaz de rivalizar com Jair Bolsonaro, o metacapitão que criou um mundo invertido, uma realidade alternativa e um universo paralelo só seus. Fosse ele rei (oh, como gostaria) e com direito a cognome e chamá-lo-iam Jair, o Paralelo.

Exemplo: no mesmo dia, 2 de outubro, em que os brasileiros vão votar pelo mais fiável dos métodos, a urna eletrónica, já submetida a testes públicos, nos quais nenhuma tentativa de adulteração obteve êxito, e sujeita a mecanismos de auditoria da Ordem dos Advogados, dos candidatos e dos eleitores, Bolsonaro quer uma "votação paralela", em papel.

Mandou as Forças Armadas - cujas credenciais em matéria de votos não são nada de especial, tendo em conta que lideraram uma ditadura por 21 anos - fazer essa exigência ao Tribunal Eleitoral por não confiar, desta vez, no mesmo voto eletrónico que o elegeu presidente há quatro anos e deputado por sete vezes.

Afinal, Bolsonaro é o mesmo presidente que montou, no final de 2020, o chamado "orçamento paralelo" para distribuir dinheiro por deputados e senadores com verbas em torno de 500 milhões de euros, de forma a precaver-se de impeachment no Congresso. Ou seja, uma espécie de Mensalão, mas a céu aberto e 20 vezes mais dispendioso para os contribuintes brasileiros do que o escândalo do PT.

Na Comissão Parlamentar de Inquérito da covid-19 que indiciou Bolsonaro por 10 crimes, entre os quais o de epidemia, o de extermínio, o de charlatanismo e o de falsificação de documentos, chegou-se à conclusão de que o presidente estimulou a criação de um "Ministério da Saúde paralelo", que agia nas costas dos legítimos ministros da Saúde, sob liderança de um médico e político, Osmar Terra, conhecido nos bastidores de Brasília por "Osmar Terra Plana".

Há também o caso mais recente do "Ministério da Educação paralelo", liderado por dois pastores evangélicos, amigos do ministro, também pastor, que distribuíam verbas apenas aos prefeitos das cidades que aceitassem encher-lhes os bolsos com barras de ouro e outros subornos.

Na comunicação do governo, há a comum, a cargo da secretaria respetiva, e há a paralela, conhecida como "gabinete do ódio", um grupo liderado pelo herdeiro Carlos Bolsonaro que faz, segundo a polícia federal, "ações orquestradas junto a milícias digitais na promoção de ataques a adversários políticos", num escritório anexo ao do presidente no Planalto.

E, por alguma razão, uma produtora de vídeos de extrema-direita dedicada a conteúdos de revisionismo histórico - elogio da ditadura militar, negação do desmatamento da floresta ou ataque ao uso de máscara na pandemia - se chama "Brasil Paralelo".

Brasil paralelo, comunicação paralela, educação paralela, saúde paralela e votação paralela no governo de um político cuja carreira foi erigida com o apoio das milícias (eufemismo de máfias) do Rio de Janeiro, compostas na sua maioria por ex-militares que extorquem a população carente e matam quem se lhes opõe, como Marielle Franco, exercendo um poder paralelo ao Estado.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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