Isto ainda não é a Ucrânia
Estamos ao lado do povo ucraniano na guerra que o Kremlin lhes moveu, vivemos disponíveis para ajudar de todas as maneiras que nos for possível, daremos armas e ajuda humanitária, receberemos de braços abertos todos os refugiados que nos procurarem, mas dispensamos os excessos de voluntarismo com que alguns ucranianos a viver em Portugal pretendem ajudar-nos a resolver o que possa ser visto como um problema.
Sabemos que quem dá passos maiores do que a perna está sempre mais perto de cair. De uma descida (in)liberal da Avenida da Liberdade até à sugestão de ilegalização de um partido, que há pouco tempo era suporte do governo português, faz-nos ter de lhes lembrar que à vontade não é à vontadinha. Estranha-se que uma embaixadora não seja capaz de perceber que, quem pede a solidariedade de todo um povo, não pode (ou melhor, não deve) tomar parte na disputa partidária do país onde exerce funções, alinhando num desfile de um único partido. É igualmente dispensável que o presidente da Associação de Refugiados Ucranianos, falando nessa condição, comente a polémica ainda não totalmente esclarecida com a Câmara de Setúbal afirmando não perceber "como é que Portugal, um país democrático, continua a ter um partido como o PCP".
O que a diplomata Inna Ohnivets e o senhor Maksym Tarkivskyy precisam de saber é que em Portugal não está em curso um processo de descomunização como aquele que levaram a cabo na Ucrânia na década passada. Por cá, mesmo no momento em que foi preciso vencer uma tentativa de caminhar para a ditadura do proletariado, o 25 de Novembro deu lugar a uma sociedade mais livre e, portanto, mais igual, de que continuaram a fazer parte, com todos os direitos e todos os deveres, aqueles que gostariam que a liberdade não tivesse triunfado. E o caminho fez-se em conjunto.
É com a mesma liberdade que a larga maioria da opinião publicada no nosso país se faz contra a posição do Partido Comunista Português em relação à guerra na Ucrânia. Por mim, já gastei resmas de papel criticando um partido que coloca uma responsabilidade maior no agredido que no agressor e mais resmas continuarei a gastar enquanto o PCP insistir nesta narrativa. Mas não dispenso, não quero dispensar, um partido que tem uma longa história a combater uma ditadura e a defender a classe trabalhadora em democracia.
José Pacheco Pereira, no jornal Público deste fim de semana, sintetiza de forma perfeita do que estamos a falar quando falamos desta guerra: "O agressor não é o povo russo, é Putin e a sua corte militar e civil, mas o agredido é o povo ucraniano, seja quem for que o governe. Esta diferença é aquela que, não sendo feita, faz com que quem a omite fique do lado do agressor." Dito isto, pela minha parte acrescento que condenar Putin e a sua corte não significa aprovar tudo o que o governo da Ucrânia fez antes e durante esta guerra. Vencida esta tormenta, longa vida à Ucrânia e a todos os ucranianos, pró-europeus ou pró-russos, de esquerda, do centro ou da direita.
Jornalista