Entre 1948, data da independência, e 1973, Israel travou quatro grandes guerras contra os vizinhos árabes, que desde o primeiro momento rejeitaram em bloco a criação de um Estado Judaico. Egito e Síria, um na fronteira sudoeste e o outro na noroeste, destacaram-se como inimigos de Israel, tanto pelo empenho ideológico dos seus líderes em atacar Israel, como pelo poderio das suas forças armadas.Ambos os países, porém, falharam sempre o objetivo e na Guerra dos Seis Dias, em 1967, viram mesmo as tropas israelitas ocuparem, além dos territórios palestinianos da Cisjordânia e de Gaza, partes dos seus próprios territórios: a Península do Sinai no caso do Egito, os Montes Golã no caso da Síria. Fracassado finalmente o sonho panarabista tanto no Cairo como em Damasco (que chegaram até a juntar-se na efémera República Árabe Unida, que durou de 1958 a 1961, numa época em que os discursos do egípcio Gamal Abdel Nasser entusiasmavam as massas árabes), a História acabou por levar o Egito a fazer a paz com Israel em 1979, recebendo por isso de volta o Sinai em 1982, mas deixando a Síria permanecer como um arqui-inimigo de Israel. Os Montes Golã, considerados estratégicos por Israel, foram assim anexados em 1981, perante a impotência do regime de Damasco, já então liderado pela família Al-Assad, no caso ainda Hafez.Com a Síria a ganhar, entretanto, influência no Líbano e a assumir o Irão como patrono, integrando um novo “eixo da resistência” decidido a acabar com o Estado Judaico, Israel nunca deixou de estar em alerta máximo. E se o ataque ao reator nuclear iraquiano Osirak em 1981 é claramente mais célebre, não se deve esquecer que em 2007 Israel destruiu também um reator nuclear sírio, em Deir ez-Zoor, quando Bachar, o filho de Hafez, era já presidente da Síria. A Primavera Árabe trouxe depois a revolta à Síria e uma guerra civil que durou de 2011 a 2024. Com turcos envolvidos ao lado da rebelião, e russos e iranianos a defenderem o governo de Damasco, o conflito foi eternizando-se, com momentos em que o protagonismo foi assumido, numa lógica muito própria, pelos separatistas curdos ou pelos jihadistas do Estado Islâmico. A dada altura, graças ao apoio da Rússia, do Irão e do Hezbollah libanês, o regime parecia emergir vencedor, com os rebeldes a controlarem apenas um recanto da província de Idlib. Em 2023, uma cimeira da Liga Árabe acolheu Al-Assad, um reconhecimento da sua aparente vitória final.Perante a incerta guerra civil síria, Israel agiu na defesa dos seus interesses, bombardeando posições iranianas consideradas ameaçadoras e atacando o Hezbollah para impedir qualquer transferência de armamento para o Líbano. Provavelmente ficou quase tão surpreendido como o resto do mundo quando, vindos de Idlib, os rebeldes marcharam em finais do ano passado sobre Damasco, e Al-Assad teve de exilar-se na Rússia. Envolvido numa guerra em várias frentes desde o massacre de mais de mil israelitas pelo Hamas a 7 de outubro de 2023, e criticado pela dureza da resposta em Gaza, onde os mortos palestinianos contam-se em dezenas de milhares e a fome agudiza-se, o Estado Judaico via cair de um dia para o outro um velho inimigo. Sem dúvida que o sucesso das operações no Líbano e também a eficácia da recente guerra com o Irão estão relacionados com fim da dinastia Al-Assad. Para ter certeza de que os novos senhores da Síria, muitos deles ex-jihadistas como o novo líder Ahmed Al-Sharah, não se tornam uma nova ameaça, multiplicaram-se os ataques israelitas a bases militares. E deu-se a tomada de novas posições junto dos Montes Golã.Nos últimos dias, Israel atacou com especial intensidade a Síria, justificando ir em defesa dos drusos, minoria religiosa ameaçada pelos milicianos do novo poder, afinal muitos nem sequer a merecer o “ex” no ex-jihadistas. O próprio primeiro-ministro Benjamim Netanyahu disse responder ao pedido dos drusos israelitas, comunidade de língua árabe que cumpre o serviço militar e é tradicionalmente leal ao Estado Judaico. E apesar de até a América estar a normalizar relações com a Síria, e Donald Trump ter cumprimentado Al-Sharah numa visita à Arábia Saudita, Israel tem motivos para manter pressão absoluta sobre Damasco.Por um lado, afasta qualquer hipótese de disputa sobre os Golã (que no seu primeiro mandato presidencial Trump reconheceu como território israelita). Por outro, mantém fraco um inimigo que já foi ameaçador. Indo em socorro das minorias sírias (inclusive fala-se de apelos dos alauitas a que pertencia o clã Al-Assad), Israel também fragiliza qualquer intenção de unidade nacional, pela força ou pelo compromisso, anunciada por Al-Sharah. Assim, proteger os drusos de Sueida e de outras regiões do sul da Síria, enquadra-se numa lógica evidente de defesa dos interesses israelitas, mas nem por isso pode deixar de ser visto como a maior esperança de sobrevivência ali para esta comunidade surgida há mil anos de uma cisão no islão e que está espalhada por Síria, Líbano e Israel. Independentemente do nível de sinceridade, Al-Sharah já mostrou não só ser incapaz de proteger as minorias (um ataque suicida a uma igreja em Damasco matou mais de 20 cristãos em junho), como não ter capacidade para punir quem nas fileiras do poder desobedece às suas ordens. Diretor adjunto do Diário de Notícias