Israel-Hamas: oito aspetos sobre o terrorismo neste conflito

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De que lado estás nas trincheiras da guerra? Do lado judeu ou do lado árabe? Será justo fazer esta questão? Ao longo das décadas, o conflito israelo-palestiano tem gerado paixões polarizadas e enfurecidas que evidenciam a complexidade da natureza humana: "podemos encontrar o inferno e o paraíso em todos os lugares. Um pouco de mesquinhez e as pessoas são um inferno umas para as outras. Um pouco de compaixão, uma pequena generosidade, e as pessoas encontram o paraíso". Este excerto literário é uma passagem incontornável de "Uma História de Amor e das Trevas", romance autobiográfico do escritor israelita Amos Oz (1939-2018). Lançado em 2002 e adaptado para o cinema em 2015 sob a mestria de Natali Portman, representa um testemunho real e violento do impacto da guerra em ambos os lados.

Em 2023, assistimos a um novo escalar do conflito: no dia 7 de outubro, o Estado de Israel foi brutalmente atingido por um ataque terrorista surpresa perpetrado pelo grupo terrorista Hamas, o que desencadeou uma resposta assertiva por parte do governo israelita. Em ambos os lados do conflito, as mortes já ultrapassam os milhares. No meio da absoluta tragédia, sofrida tanto por israelitas como palestinianos, e de comentários polarizados, importa refletir e esclarecer, ainda que sucintamente, sobre alguns aspetos relativos ao terrorismo neste conflito.

1. O terrorismo é uma dimensão histórica do conflito, sendo um produto complexo de fatores religiosos, históricos e políticos. A violência terrorista nesta região remonta às ações dos Sicários contra o Império Romano na antiga Judeia (atual Palestina): membros da seita zelota-judaica atentavam contra o poder romano ocupante, esperando que estes respondessem violentamente contra os judeus. Na História mais recente, o início da violência remonta ao período após a I Guerra Mundial. É neste contexto que surge o Haganah (1920), um grupo paramilitar clandestino pró-judaico que, após 1948, serviu de base para as atuais Forças de Defesa de Israel (IDF). Surgem também os grupos terroristas pró-judaicos Irgun (1931) e Stern Gang/Lehi (1940) que perpetraram ações violentas contra militares britânicos e civis. Após a II Guerra, surge a Fatah/Organização para a Libertação da Palestina (OLP) (1964), o Hamas e a Jihad Islâmica na década de 1980. O terrorismo no conflito resulta de ações violentas perpetradas por ambos os lados em resposta a diferentes pressões internas e externas.

2. Hamas é um grupo terrorista. O Hamas - acrónimo para "Movimento de Resistência Islâmico" em árabe, e também a palavra árabe para "zelo" - é um grupo terrorista que emergiu na Faixa de Gaza como uma ramificação da Irmandade Muçulmana durante a primeira intifada palestiniana (1987). O seu objetivo último é a destruição do Estado de Israel e a constituição de um Estado palestiniano islâmico, rejeitando todos os acordos entre a OLP e Israel. O Hamas, vencedor nas legislativas de 2006 na Faixa de Gaza, controla região desde 2007, atuando como um ator político que fornece apoio social aos Palestinianos. Ao longo dos anos, tem recebido capacidades financeiras e militares por parte do Irão, tendo ainda ligações ao autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) e ao Hezbollah (Líbano). Em termos de modus-operandi, o Hamas tem como alvos as forças militares e civis israelitas, recorrendo a uma variedade de métodos próprios deste tipo de organizações. As atividades desenvolvidas em Gaza e estas ligações contribuem para o seu sucesso junto de algumas camadas populacionais, sendo percecionado como um ator mais credível do que a Autoridade Palestiniana (AP). Porém, é importante salientar que o Hamas não representa as aspirações de todos os Palestinianos. É considerado como um grupo terrorista por vários Estados, incluindo os EUA ou Israel, e organizações internacionais como a União Europeia (UE).

3. Discutir sobre os motivos para a violência não é o mesmo que justificar essa mesma violência. Explicar por que razão o Hamas atacou Israel não significa nem apoiar nem legitimar a brutalidade perpetrada. De igual forma, explicar as causas do terrorismo, ou de um terrorista, não significa apoiar ou defender esta forma de violência.

4. O ataque do Hamas não é o 11/9 de Israel. Esta comparação foi proferida no rescaldo do ataque por Gilad Erdan, Representante Permanente de Israel no Conselho de Segurança da ONU(CSNU). Identificam-se pelo menos três semelhanças: surpresa; ação violenta por um ator não estatal; e a quebra da segurança real e percecionada. Especialistas como Peter Knoope, antigo Diretor do International Centre for Counter-Terrorism (ICCT) em Haia, já discordaram: entre várias razões, que me parecem certeiras, destacam-se diferentes circunstâncias, motivos, modus-operandi e consequências regionais e internacionais. Ademais, este tipo de discurso apresenta o ataque como uma prioridade, podendo legitimar uma resposta arbitrária por parte do Estado.

5. Os Estados também cometem atos terroristas. As regras do Direito Internacional Humanitário são claras: o uso da força é proibido, salvo em caso de legítima defesa, que tem de ser autorizado pelo CSNU. Israel tem o direito de defender o seu território, mas a resposta deve ser proporcional, visando proteger civis. A infiltração de elementos do Hamas em estruturas civis, nomeadamente em hospitais, dificulta a operação contraterrorista, mas bombardear indiscriminadamente, provocando a morte deliberada de cidadãos inocentes, não é uma resposta admissível, constituindo um grave atentado aos Direitos Humanos. Um ataque deliberado contra civis é um ato de terrorismo.

6. O uso da força militar não é uma estratégia de combate ao terrorismo eficaz a médio-longo prazo. No âmbito do contraterrorismo, a força militar é um instrumento crucial, mas deve ser encarada como um método complementar: o terrorismo não se mitiga estritamente pela força, mas através da prevenção das suas causas. As lições aprendidas com a "Guerra contra o terror", no Iraque e Afeganistão, demonstram a necessidade de prudência.

7. Negociar com terroristas é um "mal necessário".Existem 240 reféns nas mãos do Hamas, sendo que 50 já terão morrido. Israel tem uma longa história em situações de tomada de reféns, mas nunca viveu um período como o atual (nem no âmbito da operação Entebbe, no Uganda, em 1976). Tal como argumentámos em outro artigo, negociar pode ser moralmente questionável e ter resultados ambíguos, mas constitui uma tática fundamental não só para salvar vidas, mas também para o possível fim da violência.

8. O conflito Israel-Hamas tem repercussões para o extremismo na Europa. Os desenvolvimentos geopolíticos na periferia da Europa têm impacto na evolução da ameaça terrorista e do extremismo em solo europeu. Este impacto já é visível, manifestando-se de diversas formas: (a) aproveitamento propagandístico do conflito por parte de grupos terroristas; (b) apelo à perpetração de ataques terroristas; (c) aumento do antissemitismo e da violência contra judeus; (d) aumento da desinformação; e (e) aumento do extremismo e ataques contra comunidades migrantes.

Nunca nenhuma guerra se fez sem sangue, mas é possível minimizar as baixas e apaziguar os ânimos. Condenar o Hamas é crucial, proteger civis também. O cessar-fogo é imperativo. Defender a Palestina, que é urgente e necessário, não significa apoiar a violência do Hamas. Defender Israel, que é legítimo e prudente, não significa odiar Palestinianos. A defesa pela causa palestiniana não se pode resumir ao ódio contra os judeus, sob pena de "banalizarmos o mal", em um contexto que remete para a ascensão dos totalitarismos da década de 1930. Vivemos tempos sombrios, mas ainda temos o poder de contribuir para algum desanuviamento: rejeitar os extremismos e lutar pela dignidade humana.

Doutorada em "História, Estudos de Segurança e Defesa" pelo ISCTE/Academia Militar. Investigadora em terrorismo e contraterrorismo.

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