Investir numa onda portuguesa no entretenimento

Publicado a
Atualizado a

Em termos de projeção de soft power de um país com base em country branding, ninguém bate a Itália; é famosa pela herança histórica e monumental, gastronomia, design, moda, veículos (sobretudo de luxo), relevância em competições desportivas, produção cultural. Os EUA afirmaram-se com base na projeção da sua capacidade económica e gestionária, na capacidade de inovação e criação tecnológica e, sobretudo, na exportação global de música, filmes e séries de TV que cativaram o mundo e fizeram crescer o "sonho americano" no coração de milhões de pessoas pelo mundo fora. Mas o mais extraordinário exemplo de soft power projetado com base na imagem cultural de um país é a "onda coreana" (hallyu) de que já aqui falámos, assente numa excelente promoção prévia de marcas de referência em produtos de consumo associados à imagem do país - veículos Hyundai e Kia e produtos eletrónicos Samsung e LG - com sucessivos investimentos em marketing e em melhoria de qualidade, e catalizada pela exportação de produtos da cultura popular coreana, seja na música (inúmeras bandas de K-pop, incluindo as respetivas tournées), na televisão (variadíssimos programas, em especial os K-dramas e agora Squid Game), em filmes (de que Parasitas foi o expoente mais famoso), em banda desenhada, em jogos de computador e em produtos de cosmética. Essa onda coreana no entretenimento conduziu a um aumento no interesse pelo estilo de vida coreano e pelo turismo na Coreia. O sucesso da onda coreana no entretenimento é o resultado de uma política pública assumida pelo governo coreano, em articulação com várias entidades privadas. Esta política pública inclui a criação de centros culturais coreanos no estrangeiro, uma forte promoção externa das várias vertentes da hallyu, e inclui fortes subsídios às várias vertentes da hallyu. Muitos dos apoios financeiros publicitados são a PMEs e a start-ups; mas os apoios à indústria cinematográfica ou à indústria de jogos de computadores envolvem montantes significativos. Todavia, o maior crédito pelo surgimento e crescimento da hallyu deve ser atribuído às empresas e artistas que têm sido inovadores o suficiente para criar novos produtos, têm feito um marketing muito eficaz e têm sabido aproveitar infraestruturas online como o Youtube, a Netflix e as redes sociais.

Em 2019, as exportações de produtos culturais coreanos (diretos e indiretos) ascenderam a 9.130 milhões de euros, dos quais 4.000 milhões em jogos de computador (KOFICE), com um crescimento médio anual de c. 20%.

O sucesso da onda coreana é tanto mais extraordinário quanto se trata de um país que no passado nunca se projetou para o exterior e tem uma língua que não é falada senão nas Coreias. O português é a quinta língua mais falada no mundo e é uma componente essencial da nossa identidade. Portugal tem um passado de presença em várias partes do mundo, em especial na área do Atlântico. E um desejo de projetar-se para o exterior culturalmente. Para isto suceder, é necessário ter a ambição de criar indústrias criativas fortes, alicerçadas nas vertentes culturais de entretenimento e funcionando numa lógica empresarial. Doutra forma, continuar-se-á apenas a debitar discursos sobre a "economia da língua portuguesa".


Consultor financeiro e business developer
www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt