Interesse vital comum
Arthur M. Schlesinger Jr. (1917-2007), professor de História na Universidade de Harvard e conselheiro político prestigiado, escreveu em 1949 uma obra fundamental que merece ser lida nos dias de hoje. Poderá parecer estranho falar-se de um texto produzido pouco depois do fim da Grande Guerra, mas o certo é que só lendo-o podemos compreender as suas virtualidades e o perigo de muitas simplificações que se tornaram hoje moeda comum, pondo em causa o legado fundamental de três revoluções - inglesa, americana e francesa. João Carlos Espada lembrou, aliás, oportunamente há pouco, no Estoril Political Forum do Instituto de Estudos Políticos, a importância do tema suscitado pelo ensaísta norte-americano, em nome de uma necessária reflexão serena, centrada nas liberdades civis, nos processos constitucionais, na determinação democrática da economia e da política, em suma, no primado da lei, no Estado de Direito, nas legitimidades do voto e do exercício, bem como no pluralismo. Referimo-nos ao livro The Vital Center: Politics of Freedom (Boston: Houghton Miffin).
O “centro vital” para Schlesinger não se confundia, porém, nem com um meio-caminho, nem com o centrismo. Significaria, sim, uma rigorosa ponderação dos valores éticos e dos interesses, na defesa intransigente da confiança e da coesão social. Uma sociedade livre deveria, assim, dedicar-se à proteção mesmo das visões impopulares. Por isso, as democracias não poderiam ser “iliberais”. A coerência obrigaria a considerar um compromisso social e institucional entre as forças políticas centrais que garantisse uma verdadeira mediação, em lugar de qualquer tentação providencialista.
Quando hoje recordamos as impressões deixadas por Alexis de Tocqueville em A Democracia na América, percebemos que a sociedade é livre se fôr participante e responsável. Em linguagem dos nossos dias, estaria em causa uma clara demarcação relativamente ao que Hannah Arendt designou como totalitarismo, fosse de um sistema coletivista, fosse de um modelo fascista. A ideia de “centro vital” corresponderia, assim, à existência de condições de convergência, mas também de alternância política, com ponderação quer da liberdade individual, quer da equidade e regulação da sociedade. Daí a importância da herança política de Theodore e de Franklin D. Roosevelt, que Schlesinger vê continuada nas orientações estratégicas de John F. Kennedy e na política da “Nova Fonteira”, bem evidente na mobilização da sociedade para colocar um homem na Lua no final da década de sessenta.
O “centro vital” é a um tempo o compromisso dos membros da sociedade em prol do bem comum, mas igualmente um consenso contra as tentações de pôr em causa a liberdade, a autonomia e a dignidade de todos, mesmo que tal aconteça entre adversários políticos. Além dos interesses próprios de cada comunidade, importa defender os interesses vitais comuns, onde se inserem o progresso partilhado, a justiça e a paz. É a perpetuidade das instituições que está em causa, que os nacionalismos populistas, na prática, desvalorizam. E, ao contrário do entendi- mento absurdo que o presidente norte-americano tem advogado, o professor de Harvard foi muito claro na defesa da autonomia académica das Universidades e da Educação em geral, como modo de mobilização dos melhores e de consideração do pensamento, da ciência e da tecnologia, enquanto fatores essenciais de desenvolvimento humano, individual e comunitário.