Indo eu, indo eu a caminho de Belém

No dia em que deixou de ser ministro, Pedro Nuno Santos foi assistir, como é tradição, à posse do seu sucessor. O homem que durante cinco anos negociou Orçamentos de Estado com BE e PCP, o secretário de Estado triunfante que saiu do hemiciclo lado a lado com o primeiro-ministro e, ambos, num gesto combinado, levantaram os cinco dedos da mão para assinalar o quinto Orçamento aprovado do PS em minoria, o ministro que decidiu onde iria ficar o novo aeroporto de Lisboa, 50 anos depois da discussão ter começado, e que foi desautorizado no dia seguinte pelo seu primeiro-ministro, estava firme e hirto.

As imagens em movimento do final da cerimónia de posse do sucessor de Pedro Nuno são de tal forma esclarecedoras e transparentes que não precisam de legenda. Mas, para quem não viu, Costa, com o seu permanente sorriso, dirige-se a Pedro Nuno, a quem estende a mão. O já então ex-ministro está rígido, direito, imóvel. Sem nenhum sorriso. Devolve-lhe o aperto de mão, mas continua imóvel. Faz um esboço de sorriso, ele sabe que está a ser filmado, mas quer demonstrar, diante de todos, que a partir dali nada será como dantes no quartel-general do largo do Rato. Costa também sabe disso.

Recordo este momento, que, aparentemente, nada terá a ver com o que se segue. Mas tem.

Na semana passada, o líder do PSD ameaçou "ir a Belém". Não alinhou na moção de censura do Chega. Não vai propor outra, porque o PS tem maioria na câmara, mas Montenegro entende que censurar o governo é, quando ele, Montenegro, entender que é a hora, ir a Belém dizer ao Presidente que já chega de PS.

"Se fizermos um esforço de memória, esta ameaça do género 'se não governam bem, quando eu achar que é a hora, vou fazer queixa ao Marcelo', é o momento mais alto da oposição que o PSD tem feito."

Embalado pelas sondagens mais recentes que, não sendo particularmente famosas para o PSD, mostram uma degradação do PS e demonstram que, menos de um ano depois, a maioria absoluta já não existe, Montenegro está a fiar-se em Marcelo. E Marcelo, que não demora, já esclareceu que ao governo compete governar e à oposição ser alternativa, e que não vai dissolver o Parlamento. Se fizermos um esforço de memória, esta ameaça do género "se não governam bem, quando eu achar que é a hora, vou fazer queixa ao Marcelo", é o momento mais alto da oposição que o PSD tem feito.

Faz lembrar - daí a história inicial de Pedro Nuno Santos -, nos tempos da troika, numa reunião do partido, aquele que viria mais tarde a ser secretário de Estado, e depois ministro, ter dito que Portugal não deveria pagar as dívidas, e que, certamente, os banqueiros alemães iriam "ficar com os joelhos a tremer" só com o anúncio.

Ora, não só Portugal não deixou de pagar as dívidas, como os banqueiros não tremeram. O mesmo se aplica a Montenegro. Não é ele que decide a hora. O Presidente da República já lhe disse para ser melhor oposição e a hora do PSD, com ou sem Montenegro, só chegará quando os eleitores quiserem. Quando perceberem que há alternativa e não apenas oposição. Quando virem propostas, concretas e sustentadas, do que poderá ser feito de forma diferente. Quando - e isso é, talvez, o mais importante - tiverem a perceção de que o PSD pode ser a solução. É por isso que Montenegro pede ao partido "paciência". Por norma, não são as oposições que ganham eleições, são os governos que as perdem. Só que, desta vez, Montenegro deverá ter pela frente o homem que, firme e hirto, não se deixou embalar pelo sorriso do chefe e começou, logo ali, a fazer oposição ao líder do seu próprio partido. E, já se sabe, "quanto mais a luta aquece, mais força tem o PS".

Jornalista

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