Indemnizações entre polícias e militares. Onde está a coerência?

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Há uns dias deparámo-nos com dois artigos que, de certa forma, merecem ser abordados de forma conjunta porque estão umbilicalmente associados, um a aludir à cobrança indemnizatória de militares da GNR e da Armada Portuguesa que ingressaram na PJ antes dos tempos de vinculação mínimos estipulados pelos respectivos estatutos, e outras que aludia à quebra de 34% do quadro de efectivos das Forças Armadas no período de 2011 a 2024. A que se pode juntar a recente constatação que faltam 800 profissionais ao INEM, segundo a respectiva ministra.

Começando por este último, tema já requentado, mas no qual insistimos já que fere de morte a saúde destas instituições, sendo o caso das Forças Armadas um caso paradigmático de perda de atractividade, com impactos profundamente negativos na capacidade de resposta do sistema nacional nas mais diversas matérias e competências que detêm maioritariamente no plano externo. Mas preocupa-nos mais a quebra de mais de 7% do efectivo da PSP, o único órgão do Sistema de Segurança Interna a perder recursos, não sendo mais por força das sucessivas normas travão inscritas, já por automatismo, na Lei de Orçamento, a impedir a saída de polícias para a pré-Aposentação. Aliás, citando a recente intervenção da S.ª Ministra na Assembleia da República, a PSP irá ter, em breve, 4000 polícias com condições para passar a dita [esquecida] pré-aposentação, um dos poucos benefícios compensatórios que os Polícias tinham em razão do desgaste singular da profissão e que, desta forma, é totalmente pulverizado em razão da criticidade e descalabro que seria a PSP perder, de uma assentada só, 20% dos seus recursos, cenário que certamente não se resolverá com admissões anuais de 300 polícias. Concluindo, temos uma PSP mais velha, com mais competências nas fronteiras (lembre-se os quase 70 milhões de entradas em aeroportos), e cada vez mais agrilhoada nos seus direitos, sendo ela a instituição que suporta grande resposta de primeira linha a mais de 70% da criminalidade violenta e grave no país. Isto não se passa na GNR, que tem um ganho mínimo de 1%, mantendo o regime de passagens à pré-aposentação sem qualquer óbice, e da PJ que, não só em razão da absorção dos ex inspectores do SEF, tem aqui um saldo galopante de 31%, sem esquecer que todos estes passaram, desde Janeiro de 2023, a ganhar mais 600€ a 1400€ de aumento, fruto da actualização do tão discutido suplemento de missão. 

Neste quadro, e já começa a ser recorrente, a PSP é o parente pobre do sistema, em contra ciclo com as exigências cada vez maiores que tem. Se não é obra do divino mantê-la à tona da água nestas circunstâncias, então não sabemos o que lhe chamar. Os sucessivos ministros que vão passando no MAI parecem confiar na capacidade infindável que as chefias da PSP têm em ir mantendo a organização a garantir a segurança do país até um dia em que o país acordará muito surpreendido porque tal como aconteceu no INEM, estaremos numa rotura que levará a assumir medidas, então sim, de emergência. A capacidade de liderar o caos tem limites.

Este problema agudiza-se com o número de saídas para a PJ, cujo êxodo foi recentemente catalisado pelo aumento do aludido suplemento que evidenciámos, levando, por exemplo, a que quase 150 polícias da PSP e 120 militares da GNR estejam a concorrer no procedimento que está a decorrer neste momento, sendo que desses, com espanto, destacamos 10 Oficiais da PSP, 7 Subcomissários e 3 Comissários. Dizemos com espanto quando estamos a falar de uma carreira que surge de uma formação superior única em Portugal, formando os Oficiais da PSP ao longo de 5 anos em ciências policiais, para virem a ocupar os lugares cimeiros da instituição. Estes 10 representam mais de 30% dos Oficiais que neste momento o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna está a formar (28). Este é mais um dos factores (turnover ou desligamento) que esvai ainda mais a Polícia, comprometendo, como se vê, de forma séria, o futuro da instituição, e logo na sua cabeça (estrutura de Comando e Direcção). 

O texto do Diário de Notícias alerta-nos aparentemente para uma situação similar na Armada, partilhando com os leitores a existência de procedimentos de cobrança indemnizatória que esta, tal como a GNR, está a realizar fruto da saída dos seus militares para a PJ ser feita antes do tempo de vinculação que decorrer dos Estatutos, e que em carreiras especiais como estas, se percebe, assegurando-se longevidade e estabilidade nas instituições, para além do curial retorno depois de formações técnicas e superiores que podem ir até 10 anos nos Oficiais. A PSP detém uma norma igual no seu Estatuto diferenciando 5 anos de vinculação para os Agentes e 10 para os Oficiais e a correspondente fixação de indemnização por despacho do Sr. Director Nacional da PSP – vd. art.º 121.º n.º 11 e 12. Ora, curiosa, mas não estranhamente, o Estatuto da PJ prevê igualmente uma norma desta natureza, designadamente no art.º 46.º n.º3, a qual prescreve 5 anos de vinculação. Ora, sendo assim, não se percebe que se venha agora falar em mobilidade natural inter-carreiras ao abrigo do regime da mobilidade consagrada na Lei Geral de Trabalho e Funções Públicas, desde logo porque não estamos a falar de carreiras comuns ou ordinárias da AP. Trata-se de carreiras especiais e que, por isso, assentam em figurinos de formação específica, complexa e dispendiosa para o Estado e respetivas instituições. Imagine-se, a título de exemplo, um piloto da força aérea, cujo curso de formação superior será o mais dispendioso nas Forças Armadas, daí o tempo de vinculação ser mais longo, concorrer à PJ ou a uma outra qualquer Direcção Geral ao fim de um ano? Qualquer pessoa, empiricamente, percebe que não faz sentido. Mas vamos olhar para a lei, e o regime de mobilidade, previsto no art.º 92.º n.º 1, fala-nos que deve existir “conveniência para o interesse público designadamente quanto a economia, a eficácia e eficiência dos órgãos e serviços o imponham (…)”. Assim à primeira vista, este tipo de mobilidade, desencadeado pelos próprios e não pela Administração, não cabendo nas disposições do regime (veja-se artigos 92.º e ss. do referido diploma) falham, em toda a linha, o teste do algodão normativo, já que não assentam em critérios de economia e muitos menos de eficácia e eficiência, pelo menos para a PSP e GNR. A PJ nunca seria afectada dado que o regime actual de acesso foi alargado a todas as licenciaturas do ensino superior, pelo que os candidatos, actualmente na ordem dos milhares, não seria, certamente, um problema para preenchimento das vagas [muitas] que têm previstas no mapa plurianual de admissões. 

Não nos parece, por isso, com o devido respeito por posições contrárias, que os camaradas de luta sindical da ASFIC e outros que pugnem por esse diapasão, que lhe caiba qualquer razão, seria até, como dizem os senhores do direito, um venire contra factum proprium difícil de entender. 

Em resumo, o que temos é uma Polícia que é trave mestra do sistema cada vez mais subnutrida e escombrada nas suas fundações, onde a perda incompreensível destes profissionais, por força da perda de atractividade da instituição, causa fissuras difíceis de reparar. Mas mais do que promover à cobrança, importa antes assegurar melhorias substanciais na condições de trabalho para que estes não pensem em sair e queiram continuar a envergar esta nobre farda. Não tenhamos dúvidas que o sistema de segurança interna sairá a perder e, com isso, todos os portugueses que auguram por segurança.  

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