Import-export de pobres

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Preços de uma cadeia de supermercados com presença em diversos países europeus, nomeadamente em Portugal. Um litro de leite meio gordo, 94 cêntimos. Uma embalagem de queijo mozarela de 125 gramas, 78 cêntimos. Uma embalagem de presunto de 200 gramas, 2,38 euros. Um quilograma de pernas de frango, 3,40 euros. Um quilograma de filetes de escamudo do Alasca, 5,95 euros. Uma embalagem de corn flakes, 2,15 euros. 1 embalagem de esparguete de 500 gramas, 65 cêntimos. 1 quilograma de maçãs, 1,86 euros. Um litro de gasolina 95 no posto de abastecimento do supermercado, 1,69 euros. E assim por diante.

São estes os preços do supermercado em Portugal? Pois, não são. São os preços da cadeia de supermercados na tranquila e rica cidade de Orléans, não muito longe de Paris. Para quem vá regularmente às compras em Portugal, creio que poucas considerações adicionais são necessárias.

Uma diferença substancial é, claro, a relativa aos salários. O salário mínimo em Portugal é de 870 euros. Em França, de 1766 euros. Podendo presumir-se que a educação e a saúde, em ambos os países assentes em sistemas públicos ou contratualizados pelo Estado, podem não representar diferenças muito relevantes em termos de custos para os cidadãos, é bem notória a distinção de poder de compra.

Quando jovens portugueses, os mais e os menos qualificados, optam por viver fora de Portugal, é muito na conta de supermercado que estão a pensar. Por mais incentivos fiscais que se despejem sobre a realidade, enquanto os salários em países próximos forem mais do dobro ou do triplo e os custos de alimentação, transporte e habitação os mesmos, será muito difícil evitar a perda de quadros e de trabalhadores menos qualificados, que substituímos agora por trabalhadores emigrantes, de países de onde somos, portanto, necessários importadores de pobreza, a mesma que exportamos. Quando um estudante português que opte por, por exemplo, ir fazer uma licenciatura numa universidade pública holandesa, com ensino em inglês, paga menos de propinas e menos por habitação do que pagaria em Portugal, é mesmo mau sinal. Já não contando sequer com o distinto reconhecimento internacional das instituições em causa, pelos rankings que tantos gostam de incensar.

Todos os incentivos estão, assim, alinhados no mesmo sentido. Num espaço global, sem restrições significativas para um português poder circular no mundo, parece difícil contrariar o futuro próximo de um Portugal, esse país solarengo, onde qualquer norte-americano pode vir beber vinho e comer ostras e ser servido à mesa por um empregado brasileiro ou nepalês. O que não é novidade em diversos espaços do mundo, como os que vivem essencialmente do turismo. Resta, aparentemente, procurar assegurar que a criação desses negócios e a sua gestão sejam o suficiente para integrar as demais pessoas que por aqui ainda vão vivendo.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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