Imigração. Afinal ainda são possíveis pontes no centro moderado
Ouvir um membro do Governo a admitir “avaliar” uma medida, que reconhece ter “virtualidades”, proposta pelo maior partido da oposição, o PS, que tantas vezes acusou de se ter “radicalizado” junto a “extrema esquerda”, numa matéria tão sensível e fraturante como a da imigração, gera uma sensação de otimismo e de esperança com a capacidade que os políticos poderiam ter se, em vez de pensar a curto prazo, nas eleições ou no seu poder no partido, pensassem no futuro do país a mais longa distância e no interesse de todos os que aqui vivem.
A medida até é pouco expressiva em termos de impacto - trata-se de, em certas condições, permitir que os imigrantes que entram com visto temporário para trabalho sazonal na agricultura, construção, entre outras atividades, possam aceder a uma autorização de residência permanente - como se explica nesta edição (página 14), mas o facto de o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, não ter, simplesmente, refutado qualquer sugestão vinda de um partido que em oito anos em que esteve no poder, pouco tem com que se enaltecer em matéria de políticas migratórias, é uma prova de que ainda são possíveis pontes entre grandes partidos quando os políticos colocam o interesse do país acima do próprio.
Isto sucedeu poucos dias depois de o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos ter surpreendido o país - e ainda mais o próprio partido - ao apoiar a medida do Governo de extinguir as manifestações de interesse.
Já aqui se escreveu muito sobre esse tema e ainda nenhum argumento nos fez mudar de ideias quanto à decisão. Claro que agora é preciso saber de que forma e em que dimensão, exatamente, o fim das manifestações de interesse, através das quais os imigrantes que entravam ilegalmente no pais sem visto ou com vistos turísticos, podiam fazer o seu registo e ficar em território nacional à espera, vários anos, de lhes ser concedida autorização de residência, contribuíram para o recuo dos naturais fluxos de imigração ilegal.
Para isso será preciso ter em conta os resultados das operações policiais de fiscalização e compará-los com as anteriores.
Antes de as manifestações de interesse terem o modelo que foi revogado em 2024, permitindo o registo mesmo sem qualquer visto, as associações de imigrantes alegavam que existiam cerca de 30 mil ilegais a trabalhar em Portugal e a descontar para a segurança social. Isto foi em 2017, antes da nova lei entrar em vigor.
Nessa altura, o então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), registava apenas os requerentes que tinham entrado legalmente no país e o número de manifestações de interesse que estavam a ser analisadas era de apenas 3 370.
“Os números a que o SEF refere são aqueles que, no seu entender, têm condições para avançar, mas há milhares de muitos outros que trabalham em Portugal e é-lhes negado o direito de ficar em Portugal”, o que configura uma “forma encapotada de expulsar imigrantes que está a ser protagonizada pelo SEF”, protestava na altura Timóteo Macedo, da associação Solidariedade Imigrante, acusando este serviço policial de estar a fazer “uma interpretação abusiva, ilegal e autoritária” da legislação.
A pressão da “Geringonça” acabou por levar o PS a, contra todos os alertas do SEF sobre o risco de “efeito chamada”, a mudar a lei e a criar a figura que o PSD denominou de “portas escancaradas”.
Sabemos o Estado dentro do Estado que o “centrão” político foi criando em todos os anos de Democracia que esteve no poder, mas há momentos e assuntos - a imigração é um deles - nos quais essa aliança pode ser um antídoto contra os extremismos.
A questão das migrações é disruptiva noutros países da Europa há muitos mais anos. Portugal só tem a ganhar aprendendo com os erros e as soluções. Nesse aspeto, temos sorte de estar na cauda da Europa.
Podemos ser um exemplo em políticas de imigração e de integração.
Desde dar condições aos consulados para tratarem os processos com a celeridade que a lei exige, a criar toda uma rede para os “novos portugueses”, como lhe chamou o primeiro-ministro, Luís Montenegro, serem integrados, respeitando os Direitos Fundamentais da nossa Constituição.