Há um mundo para lá de Elvas
Fomos ontem a votos e hoje talvez já saibamos quem será o próximo Primeiro-Ministro e que partido ou coligação o apoiará no Parlamento. Mas o que continua envolto em incerteza é a posição que o novo governo tomará face aos desafios complexos e urgentes que o mundo enfrenta. Durante quase dois meses de debates, comícios, arruadas, jantaradas e declarações públicas, ocupámos o nosso espaço mediático com temas da nossa politica interna, quase sem uma palavra sobre o que os partidos pensam acerca do que se passa para lá das nossas fronteiras. E muito se passa!
É importante recordar que Portugal não é uma ilha nem vive isolado do que se passa além-fronteiras. Pelo contrário, somos um país que depende de uma ordem internacional baseada em regras claras onde a diplomacia e o direito prevalecem sobre a força bruta e a anarquia, o nosso bem-estar económico depende do acesso a mercados abertos com regras claras para os nossos bens e serviços e a nossa segurança e defesa baseia-se em alianças internacionais. Sem uma comunidade internacional ordenada, enfrentamos um cenário de incerteza e vulnerabilidade para o qual não estamos preparados.
E basta olhar para o mundo para verificarmos que as decisões tomadas em Bruxelas, Washington, Moscovo ou Pequim têm impactos diretos em Lisboa, Porto, Évora ou Faro. Nos próximos meses, Portugal terá de tomar decisões importantes, com consequências profundas tanto para a nossa posição internacional como para os recursos políticos, administrativos, humanos e financeiros disponíveis para implementar as prioridades nacionais definidas durante a campanha eleitoral. Algumas dessas decisões são urgentes e críticas.
Por exemplo, qual será a nossa posição na próxima cimeira da NATO, onde se discutirão os mecanismos de financiamento da defesa europeia e os possíveis alargamentos da Aliança? Estaremos dispostos a aceitar a proposta dos Estados Unidos de aumentar o investimento em defesa para 5% do PIB, ou um aumento mais “modesto” para 3% defendido por outros, quando a nossa meta atual é chegar aos 2% até 2030? Ainda na defesa, deveremos considerar a possibilidade de reforçar os meios próprios da União Europeia? De onde virão esses recursos e que políticas nacionais terão de ser sacrificadas?
O que pensamos sobre a proposta da Comissão Europeia que poderá alterar significativamente as fórmulas de cálculo e distribuição dos fundos de Coesão, de que Portugal é um beneficiário importante? Como nos posicionaremos face a esta mudança que poderá redefinir a política de solidariedade europeia e afetar diretamente projetos necessários para o nosso desenvolvimento mais equilibrado e sustentável?
O que defendemos sobre a posição que a EU deverá tomar em resposta à política comercial de Washington ou no relacionamento económico e comercial com a China?
Teremos uma política clara sobre o futuro dos programas de apoio ao desenvolvimento e de promoção dos direitos humanos das Nações Unidas, que estão agora ameaçados por decisões do governo Trump?
E como nos situamos face à catástrofe humanitária no Médio Oriente ou no debate sobre o reconhecimento (ou não) do Estado da Palestina?
Estas e outras perguntas ficaram de fora da campanha eleitoral mas de uma coisa podemos ter a certeza: muitas das promessas e propostas de políticas públicas que nos foram apresentadas até a semana passada serão fortemente influenciadas pelo que se passa para lá da fronteira de Elvas e teria sido útil que estas opções tivessem sido discutidas enquanto nos preparávamos para decidir em quem confiar a gestão da coisa pública nos próximos anos.
Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL