Honra, paz e segurança: em memória das vítimas do terrorismo

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Em 2004 (11/03), Rosa María foi apanhada em uma das explosões de Atocha. Perdeu 90% da audição, ficou com estilhaços da bomba no corpo e sofreu outras injúrias. Em 2005 (7/7), Martine Wright entrou na carruagem 204 do metro londrino e sentou-se no seu lugar preferido. Segundos depois, eclodiu uma enorme explosão. Foi a última a ser resgatada, perdeu ambas as pernas. “Não estavas adormecida, estavas a gritar”, disseram-lhe os paramédicos. Martine não se recorda da dor - “o meu cérebro desligou”, conta à BBC. Em 2015 (13/11), David e Katie celebravam uma escapadinha romântica no Le Bataclan quando os terroristas irromperam pela sala de espetáculos. Temeram pela morte e despediram-se até nunca mais: “É agora. Eu amo-te. Adeus.” David foi atingido no pé. Madrid (2004), Londres (2005), Paris (2015). Eram dias comuns, até deixarem de o ser.

Todos sobreviveram, mas o trauma físico e psicológico permanece. Hoje, 11 de março, assinala-se o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo. Instituído na sequência dos ataques terroristas de Madrid em 2004, o ataque mais mortífero na União Europeia (UE) até à atualidade, é assinalado anualmente desde 2005. O Dia memorial de 2025 é especialmente significativo pois recordam-se também os 20 anos dos ataques em Londres (2005) e os 10 anos dos ataques em Paris (2015), estes últimos com ligações aos atentados de Bruxelas que assinalam uma década já em 2026. Mas, quem são as “vítimas” e qual a importância de recordá-las?

Do ponto de vista teórico, a ONU identifica várias categorias: existem vítimas “diretas”, “secundárias”, “indiretas” e “potenciais”. Ou seja, referem-se aos falecidos, aos sobreviventes diretamente impactados, familiares, amigos, testemunhas, ou até aos polícias e equipas de resgate, muitas vezes negligenciados. Trata-se de um grupo amplo, muito diverso, traumatizado, mas unido por sentimentos comuns.

Do ponto de vista estatístico, as vítimas tendem a ser reduzidas ao número de mortes (e feridos), variável consoante as áreas geográficas e metodologias de análise. A nível europeu (UE), o terrorismo jihadista tem sido o causador do maior número de vítimas mortais ao longo dos anos. Em um período de 18 anos (2000-2018) registaram-se 753 vítimas mortais, sendo a Espanha o país mais afetado (268), seguido da França (263) e do Reino Unido (121). Entre 2006 e 2020, contabilizaram-se 455 vítimas mortais no qual o jihadismo ocupa uma posição de destaque com um total de 404, seguido do terrorismo de extrema-direita com 16. Durante este tempo, a UE regista três períodos críticos com elevadas perdas humanas, nomeadamente o ano de 2015 (151), 2016 (142) e 2017 (68).

As vítimas são a face visível das tragédias, mas também um símbolo de resistência. Por isso, é fundamental assinalar este Dia Europeu em sua Memória. Mais do que uma oportunidade política para condenar o terrorismo, sensibilizar para a prevenção e assegurar o compromisso com os valores democráticos, é um sinal de respeito para com as vítimas. É uma homenagem à sua dignidade. A voz dos sobreviventes, em particular, é essencial não só para honrar os falecidos, mas também para lutar contra os extremismos e repensar estratégias no âmbito do combate à ameaça. As Nações Unidas também prestam homenagem anual a 21 de agosto, com o Dia Internacional em Memória e Homenagem às Vítimas do Terrorismo.

As palavras são calorosas e atenuam o sofrimento, mas não são suficientes. Devem ser complementadas com ações concretas que visem apoiar as vítimas de forma regular. Neste âmbito, a União Europeia tem implementado um conjunto de iniciativas desde 2004, destacando-se a Diretiva sobre os Direitos das Vítimas (2012), a Diretiva da UE de Combate ao Terrorismo (2017) ou a inauguração do Centro Especializado da UE para as Vítimas do Terrorismo (EUCVT) (2020). Estes instrumentos, entre outros, permitem aos Estados-membros atender às necessidades especiais das vítimas, incluindo proteção, reconhecimento do estatuto de vítima, assistência médica, psicológica ou jurídica.

No entanto, ainda há um longo caminho a trilhar e questões por responder. Por exemplo, quem protege os protetores? A cinematografia pode ser um porto de abrigo. A série belga “Bagagem Perdida” (2020) reflete sobre esta problemática: incidindo sobre os dias seguintes aos ataques terroristas de Bruxelas em 2016, acompanha o trabalho de Samira Laroussa, uma inspetora da polícia belga (ficcional) encarregue de entregar os pertences dos falecidos às famílias que também é afetada pelos atentados. Um drama comovente, sobre dor e perda, bem como a resiliência daqueles que tudo fazem para proteger, mesmo sofrendo. Em 2022, seis anos depois dos atentados, o aeroporto de Zaventem ainda guardava cerca de 200 malas de viagem e outros objetos desde os ataques.

E, Portugal, como se enquadra nesta matéria? O terrorismo não é uma ameaça iminente à segurança nacional e não somos um alvo prioritário para grupos como o Daesh, mas nenhum país é imune a um ataque e ninguém está a salvo de um incidente em um outro país. Entre 2001 e 2025, morreram 17 portugueses em ataques terroristas. Os atentados nos EUA (2001) e em Paris (2015) foram os mais mortíferos, nos quais se lamenta o falecimento de cinco e três portugueses, respetivamente. No quadro da proteção das vítimas, a Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo (ENCT), adotada em 2015 e revista em 2023, prevê diversas medidas neste âmbito, existindo também uma versão portuguesa do Manual sobre Vítimas do Terrorismo da UE, elaborado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) (2021).

Independentemente da latitude geográfica, recordar datas desta natureza é um desafio histórico, moral e emocional, sobretudo em uma sociedade europeia onde a intolerância, o extremismo e a polarização continuam a crescer. Envolve decisões políticas e respostas contraterroristas complexas e implica lidar com sentimentos difíceis, entre a perda, a dor ou a deficiência resultante de um ataque. Eliana Pavoncello, sobrevivente do ataque terrorista contra a sinagoga de Roma em 1982, chama a atenção para o desafio: “Todos os sobreviventes do terrorismo convivem com o drama de sobrevirem em uma sociedade que se sente desconfortável com a dor dos outros”. Falta-nos compaixão e empatia.

Porém, o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo é também um ato de coragem, amor, esperança, união e resistência. Recordar os momentos dolorosos e dar voz aos sobreviventes é honrar a vida, defender o Estado de Direito e afirmar, coletivamente, que condenamos a violência terrorista, renunciamos ao ódio, à crueldade e à discriminação, lutando pelo respeito dos direitos humanos. Sempre.

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